Todo mundo já acreditou em Papai Noel, coelhinho da Páscoa, príncipes e princesas e foi bem feliz com tudo isso. São mesmo ilusões deliciosas porque nos conectam à felicidade, já tão cedo ameaçada pela angústia tipicamente humana. Acontece com todo mundo, mas ninguém pira ao saber que tudo não passa de fantasia.
Quero dizer que a gente sobrevive ao descobrir truque artificiais para fortalecimento da ideologia do dinheiro e acúmulo de riquezas por capitalistas convictos e comerciantes ávidos de lucro. Céus, eram meus pais que compravam bonecas, panelinhas e chocolates pra me fazer feliz. Quanto aos contos de fadas, o príncipe era só uma projeção do meu ideal de felicidade eterna. Jamais apareceria o cavaleiro de cabelo bem cortado, ajoelhado e com flor entre os dentes, bonito e cheiroso, vindo de um castelo num reino distante para me desposar e me amar para todo o sempre.
A questão é que outras tantas ilusões de peso ao longo da vida também costumam desabar. No meu caso, por exemplo, já acreditei que o sim do casamento perante o padre era eterno e que a aliança no dedo simbolizava fidelidade e respeito de um para o outro. Sequer cogitava que essas promessas devessem ser realizadas individualmente em primeiríssimo lugar, algo como "prometo ser fiel aos meus desejos e me respeitar por todos os dias da minha vida". Essa desilusão até que tem seu lado positivo, pois me permitiu saber que o amor a si próprio que é o primeiro passo para tudo.
Também acreditei que meus pais eram perfeitos e até sábios sobre todas as coisas da vida, pensando, inclusive, que eu preenchia o seu mundo e era absolutamente tudo pra eles. Não percebia que tinham suas demandas pessoais e eram apenas humanos, imperfeitos e em busca de amor ou de algo que nem eles mesmos sabiam. Desiludi-me quando os vi tão frágeis e imaturos quanto eu ou quando vi que experimentavam dificuldades na superação de seus sofrimentos e dúvidas. Chegou a doer meu coração quando deixaram de me servir de modelos. Mas tudo bem...eles nunca esconderam de mim suas fragilidades, eu é que fracassei na tentativa de vestir-lhes a capa de super heróis.
Acreditei que o ser humano só pode ser bom e que seu lado perverso não existia, sem jamais ter imaginado que este é inerente à condição humana e por isso deve ser incorporado e... sem problemas. Assumir o lado sombrio da personalidade nos capacita para inúmeras batalhas, porque nos torna inteiros.
Já tive a crença de que tinha o controle de tudo, especialmente, de mim mesma, afinal eu havia aprendido na escola que a razão me diferenciava dos animais e me habilitava a tomar decisões. O "penso, logo existo" era a explicação. Descubro então que não controlo coisa alguma, ao contrário, eu é que sou controlada por forças internas da minha própria psique. Saldo positivo aqui também, pois é libertador saber que a impermanência da vida não se sujeita à racionalidade humana, tão fraca frente às nossas pulsões naturais. O ser humano não é nem senhor de si mesmo, como já disse um tal de Freud.
Já acreditei que Deus existe como guia para apontar os erros e punir o ser humano, tão pretensamente perfeito, sempre que ultrapassasse a linha delimitada pela moral, pela cultura. Quanta ingenuidade! Venho descobrindo outro Deus, mais cósmico e universal, que não manda pragas para a humanidade, porque ela própria é quem causa os desequilíbrios sofridos no mundo e na natureza. Passei a ver tudo como a energia equilibradora do universo, a força geral dos movimentos, a homeostase dos sistemas. Esta foi "a" desilusão pra mim! Posso dizer que todas essas ilusões morreram e outras tantas vêm agonizando nessa minha cabecinha de ser pensante.
Enfim, cheguei até aqui com inúmeras crenças abaladas e até destruídas. Lógico, foram todas importantes, fundamentais eu diria. Serviram pra me construir e me dar um chão para que eu pudesse tomar impulso para voos mais altos ou mudança de rotas. Hoje consigo lidar bem com todas elas.
Ora, mas por que desfazer-se de tantas ilusões, se isso dói tanto? Porque acima de tudo a desilusão faz a gente crescer. Simples assim.
