O TEMPO
Recentemente, fiquei, por um breve período de férias, isolada com minha família, num hotel fazenda no interior do Paraná, em busca de silêncio, quietude e calmaria. A única algazarra do lugar era feita pela bicharada. Do estábulo, do galinheiro, dos brejos, dos campos distantes. Era uma verdadeira sinfonia de cavalos, galinhas, pássaros, sapos, carneiros e besouros voando, tirando finas perto da nossa orelha. Um barulho gostoso também vinha do vento movimentando as folhas no alto dos eucaliptos gigantes e das araucárias frondosas. Ali o tempo parecia transcorrer em câmera lenta. Pingos do orvalho da manhã caíam da copa das árvores sobre o telhado do chalé, como batidas ritmadas, dando um toque romântico ao nosso descanso. Era tudo uma grande orquestra da natureza que parecia não usar o tempo como recurso para acontecer.
Outro presente foi a paisagem, um prêmio aos nossos olhos afoitos por belezas infinitas, que nos absorveu completamente. Cedinho pela manhã, em toda a extensão do imenso lago escuro podia se ver uma fumaça branca que parecia mover-se em câmera lenta, tal qual cenário para o filme de Harry Potter. E no fim da tarde tinha o pôr do sol, que era, simplesmente, de chorar, começando com tons amarelos, depois alaranjados e terminando com os avermelhados, antes do breu da noite.
Naquele paraíso ecológico, consegui cumprir a promessa de me concentrar nas essências do mundo natural, valendo-me do panorama para planejar uma vida mais calma daqui para adiante, assim como um modo de ser com menos medos e hábitos paralisados ou, ainda, com um jeito de adquirir coragem para buscar novas formas de satisfação. Pensei também em tudo o que desejo para meus próximos capítulos ao lado dos meus amores familiares, como minha lucidez, meu olhar poético, minha obstinação para a erradicação dos meus fantasmas. Fui então divagando e entrando numa espécie de túnel de pensamento cada vez mais profundo e longínquo, sem qualquer preocupação.
Foi tanta coisa que passou pela minha cabeça que senti como se horas a fio tivessem transcorrido, distraída que eu estava com a perfeição daquele lugar e daquele instante, a ponto de, conferindo o relógio em dado instante, constatar que somente quinze minutos haviam se passado desde o início da minha saga particular. Foi incrível aquela sensação de tempo condensado e bem aproveitado.
Numa dessas é até possível que as horas passem mais devagar no meio do mato, mas, verdade ou não, a experiência me serviu como pano de fundo para a comparação com minha agitada vida na cidade grande, envolta nos costumes, ruídos e imagens urbanos. Senti que entrouxo tanta coisa na minha agenda que, literalmente, não sinto o tempo que tenho e que me acaba escorrendo pelas mãos. Computador, televisão, celular, trânsito, filas, obrigações etc. se acumulam e, quando percebo, já está anoitecendo e o dia parece não ter rendido e assim fica difícil surgir uma frequência de ligação com o mundo em meio a tantos afazeres. Lamento ter tornado minha rotina tão automática, tão frenética. O caos vem me impedindo de usufruir de um tempo de qualidade conectada com o mundo natural.
Aquela experiência de quinze minutinhos completamente absorvida por uma inominável natureza em torno de mim foi incrível, pois tive a nítida impressão de que eu podia pegar o tempo com minhas próprias mãos, de modo real e palpável. Na balbúrdia da capital e da correria, a paz dos instantes costuma fugir de mim, escorrer por entre os meus dedos, não consigo capturá-la, parece até que nem sou dona dela.
O preenchimento do tempo é mesmo uma verdadeira arte, mais do que um puro ato de inteligência ou organização de tarefas, uma vez que é fácil encher os dias e até as noites de compromissos, aliás, esta é a receita certa para não nos beneficiarmos com certas riquezas de que dispomos.
Como foi bom ficar uns dias fora de tudo, usufruindo de um tesouro invisível e inexplorado: o tempo. É como diz a canção da Nana Caymmi: "E ele [o tempo] zomba do quanto eu chorei, porque sabe passar e eu não sei". Não sei mesmo, mas decidi começar a aprender a senti-lo, vivenciá-lo, usá-lo com mais qualidade.
