quarta-feira, 29 de setembro de 2021

 
 QUEBRADA AO MEIO

       

        Quando eu tinha uns vinte anos de idade, época em que cursava Geologia na universidade, tive de fazer uma visita numa mina de extração de basalto, rocha vulcânica, principal constituinte da crosta oceânica, muito usada para a fabricação de asfalto. O basalto é o produto da lenta fusão parcial do manto superior terrestre que, depois de milênios, quando totalmente resfriado, torna-se muito duro e compacto. Só dinamite mesmo para extraí-lo do morro.


        Na ocasião dessa aula prática, presenciei uma situação bastante curiosa, ao menos até aquele momento da minha vida: um peão martelava uma cunha pontiaguda bem no centro de um bloco rochoso retangular de cerca de dois metros cúbicos de tamanho, bastante pesado e coeso. Ficou um bom tempo executando esse movimento repetitivo sob os olhares curiosos da turma, para ver o que iria acontecer. A intenção era partir ao meio o fragmento, o que, num primeiro momento, parecia impossível, já que nem era empregada tanta força assim, mas logo me veio uma coisa ensinada pelo meu pai: para o êxito de algumas tarefas, é o jeito que conta mais. Ao final de uns quinze minutos de marteladas ininterruptas, aquela porção de rocha, que até então só havia permitido a formação de um pequeno furo no seu centro, partiu-se perfeitamente ao meio, tal como um ato de rendição frente à insistência das batidas. 


        O espanto foi geral. Como era possível dividir perfeitamente ao meio um bloco tão duro e compacto como quem divide um pedaço de bolo ou uma laranja? E ainda por cima com apenas duas pequenas ferramentas manejadas pela mão de um único homem? O aprendizado ali se destinava a demonstrar a possibilidade de uma unidade rochosa, aparentemente resistente a tudo, ceder frente a movimentos corretos e insistentes, bem como mostrar que em apenas um quarto de hora fora possível desfazer o que a natureza levou milhares de anos para formar. Mas minha cabeça foi mais longe, pois havia algo de filosófico embutido naquela cena, ainda que eu não conseguisse vislumbrar naquela altura da minha vida.


    Anos mais tarde é que me vi fazendo um paralelo entre aquela batalha perdida pelo basalto e algumas más ideias que nos visitam repetidamente ao longo da vida e que são como uma cunha pontuda martelando a mente. Não raras vezes damos permissão para reiterados medos, aflições, crenças e pensamentos nefastos que nos afetam e comprometem nossa integridade mental, sem que tenhamos consciência deles. Daí não será por acaso que em um dado momento iremos sucumbir, tal como rocha partida ao meio e num segundo, após a milésima martelada sofrida. Se uma coisa inorgânica, bem formada, compacta, durável, aparentemente eterna como aquele basalto parte-se ao meio, imagino o que constantes ideias fixas podem causar à nossa inteireza. Claro que tal comparação pode até parecer meio infeliz ou nada a ver, mas serve como ponto de partida para pensar que podemos evitar dissociações ou rupturas internas motivadas por cismas ou obstinações sem sentido, tipo culpas inúteis, melancolias sem sentido, raivas, angústias desnecessárias.


        Aquela experiência acadêmica me valeu como metáfora para tentar domar meus pensamentos, de forma que a uso para priorizar aqueles de maior qualidade e que possibilitem me manter íntegra e incólume e impeçam uma fissura interna de um instante para outro.



sexta-feira, 24 de setembro de 2021

 


 

BAILE DE DEBUTANTE


Eis que chega o dia dela, doce e bela Cinderela

Moça nova e tão vibrante, nossa amada debutante

Tem um cheiro delicado como sopro de lavanda

Muito linda e amorosa, nossa amada filha Amanda

 

Era noite num agosto a surgir seu lindo rosto

Frio de inverno na varanda e, que surpresa, veio Amanda

Brilho quente em teu olhar e delicada como a flor

Filha linda e adorada, como é grande o nosso amor

 

Então cresce a menininha, nossa amada Amadinha

Com um brilho diferente e uma alma independente

Mesmo forte e decidida, também age com doçura

Responsável, firme e justa, mas sua força é a ternura

 

Movimento e euforia nessa festa de alegria

Muito som nessa ciranda, vem dançar, ó doce Amanda

Nessa data de glamour, muito brilho e cantoria

Nossa moça é a primeira do desfile da magia

 

Quanto amor no coração quanta luz no teu olhar

Amanda é ela: a que veio pra encantar

Te agradeço por tua vida, filha amada sorridente

Só Deus mesmo pra acertar na escolha do presente

 

Nessa noite especial, hoje é ela a que manda

Nossa linda e meiga moça

Nossa amada filha Amanda

    



terça-feira, 21 de setembro de 2021

 
       

TEMPO PRESENTE

            Se tem duas coisas que brigam (ou brigavam) dentro de mim, dois titãs que não se conciliam, são meu passado e meu futuro. Querem me dominar. Velhas histórias ruins, feridas, memórias dolorosas, banzos e ressentimentos vindos do meu ontem costumam rondar a minha cabeça. Todo esse acervo íntimo, cuja importância devia se limitar à construção da pessoa que eu me tornei, costuma me visitar com uma frequência indesejada, eu diria, me atrapalhando e não obedecendo às minhas ordens pra voltar ao arquivo de onde saiu. Como é atrevido esse meu pretérito não tão perfeito! Parece ter vida própria. Vem quando quer, faz estrago e promete que sempre vai voltar. Ou sou eu mesma quem esquece de impedir a sua passagem lá das catacumbas da minha mente. 

            Do outro lado, e com a mesma fúria, aparece o meu amanhã, isto é, fantasias tão reais quanto incertas, mas com um poder danado de assombrar meus pensamentos. Parecem querer antecipar um script já definido, ainda que absolutamente irreal, me ameaçando sempre com a imposição de um cenário de vida perturbador. Pulula, em minha cabeça barulhenta, essa briga de espadas. Meu presente, atônico frente a tais invasões, e meio sem ação, acaba ficando de testemunha desse embate nada profícuo.

            Mas isso vem mudando! Esses dois braçudos estão perdendo força para a capacidade que descobri que tenho de fazer do presente o comandante do meu hoje. Se pensamentos vindos de lá detrás quiserem me importunar, ou vindos de lá adiante só pra me assustar...então, fora daqui os dois, passado e futuro! Aliás, vocês nem existem! Vocês não passam de uns fantasminhas sem poder! Parem de querer que eu os veja como concretos e fortes o bastante para me desequilibrar! Comportem-se! Voltem aos seus devidos lugares, vocês não têm mais permissão pra aterrorizar minha paz. Só venham quando convocados, ok? E neste caso, coloquem nas suas bagagens somente coisas boas: lembranças felizes que me façam sorrir e planos construídos em parceria com o bem estar. Do contrário, ausentem-se, porque não serão bem vindos.

              Quanto ao meu presente, esse sim é que merece cuidado e atenção. É ele quem atesta minha condição de pessoa viva e me permite extrair do mundo tudo que é bom, a exemplo de me colocar em retiro geral para um profundo estado de recolhimento e introspecção num lugar qualquer do mundo. Sim, neste momento estou fora do campo de visão de todos. Me ausento momentaneamente de tudo, do trabalho, das obrigações, da casa, da rotina, da família. Minha vida de todo dia está em stand by. Estamos aqui, só eu e o meu agora, em meio a outras paisagens e barulhos, dialogando sem pressa ou interrupções. O passado já passou, o futuro nem chegou...o meu tempo está aí... só meu presente é bem vindo.