domingo, 29 de maio de 2022

 

A GEOMETRIA DO VIVER

        Se a geometria é a linguagem da natureza, poderia então dizer que nossas vidas parecem guardar um paralelismo com algumas figuras geométricas. Pensando a respeito, pude constatar que, por certos ângulos de análise, algumas metáforas permitem comprovar minha afirmação. 

         Por exemplo, não é de hoje que a expressão 'andar em círculos' remete a situações monótonas, enfadonhas e sofridas, que acabam por manter as coisas sempre do mesmo jeito, como se dali algo novo pudesse aparecer contrariando a lógica que diz dos mesmos resultados para as mesmas ações. Repetimos pensamentos, comportamentos e crenças, ainda que doídos e doidos. Mesmo sofrendo, continuamos a dar voltas em torno do mesmo lugar esperando novidades que jamais virão. Dar voltas ao redor de um mesmo núcleo anestesia o poder de mudança que temos, prende-nos a uma força centrípeta que parece nos sugar para o mesmo lugar sempre. Deveríamos saber que a repetição não é renovadora de nada, não refresca, não inova. A repetição é apenas mais do mesmo. Órbitas constantes são chatas. Precisamos sair de circuitos tipo carrossel, pois nada ali existirá como novidade, será tudo sempre igual como um plano sem curvas.

        Aliás, o plano é outra figura da geometria que me serve muito bem de metáfora para dizer que superfície lisa não existe. Isto porque junto com o ponto e a reta, o plano sequer tem definição na geometria. Claro que pesquisei isso na internet, pois foi no século passado que tive essa aula no colégio. De qualquer forma, tudo a ver com as irregularidades que lembram nossas vidas. Nessa brincadeira de comparar a geometria com a vida, o plano só serve para indicar que não há vida estável, mas incerta, impermanente, movimentada, cheia de altos e baixos. Que bom, pois é isso, justamente, o que nos força a sair do conhecido quadrado.

       Por falar em quadrado, símbolo maior da rigidez, é sempre oportuno escapar deste espaço apertado. A vida exige malemolência e jogo de cintura com o mundo e as pessoas. Ser quadrado é antiquado, fora de moda, sem ideias novas, preso ao passado. Bom é fazer tentativas, abrir a caixa, sair do comum, arriscar-se, tal qual malabarista no trapézio.

        Ah, o trapézio! Este é o nome de um quase quadrado, isto é, uma forma nem tão certinha nem tão irregular, formada por dois lados paralelos e duas diagonais tortas. Para mim é a representação perfeita de que bom senso e risco podem coexistir, pois muitas vezes a vida obriga mesmo à exposição ao perigo, tal qual um trapezista que, com um tanto de ousadia e outro de segurança, mergulha no infinito, experimenta o desconhecido e joga-se.

       Agora, boa mesmo é a pirâmide, a forma para a ideia de evolução, talvez por causa da base sólida que propicia equilíbrio para que se possa chegar às alturas. A pirâmide parece guardar na sua extremidade o prêmio para quem foi obstinado e perseverante na subida, como metáfora para dizer que a chegada ao topo é possível, atingindo o ponto alto desejado para estar mais perto da luz.

        

quarta-feira, 25 de maio de 2022

 LABIRIINTO

 

Como seria se eu pudesse

Gritar tudo o que sinto
Me envenenar com absinto
Desprender meu duro cinto 
E então mudar o meu recinto
Aceitando o que pressinto
Sendo breve e bem sucinto

Como seria se eu pudesse

Seguir com meu instinto
Não inteiro, basta um quinto
Sou feliz, eu nunca minto
Mas de amor sou um faminto
Não consigo ver extinto
Sonho novo mal retinto

Como seria se eu pudesse

Dar um passo bem distinto
Mas mudar não me consinto
Esse é meu jeito... indistinto
Mas quem sabe algum afinco
Possa abrir meu labirinto


quinta-feira, 5 de maio de 2022

 

MENININHA

        Todos nós abrigamos no meinho do coração uma criança interior, mesmo que já tenhamos chegado à vida adulta, cheios de compromissos, preocupações, com cabelos brancos e dores nas articulações e cartilagens do nosso corpo. A minha menininha, por exemplo, mora encolhida dentro do peito e se manifesta em muitas ocasiões de um jeito amedrontado e frágil.

       Penso ser essa a representação das nossas feridas emocionais trazidas para a maturidade. Remontam a um passado em que fomos, real ou ilusoriamente, machucados, por quaisquer reprimendas, olhares mais severos ou meras interpretações pessoais, conscientes ou não, de fatos com importância variável. Por vezes, até o silêncio ou um não dito é o que basta para que nasça um afeto doloroso para a vida toda. Tudo está na maneira como moldamos nosso olhar para as pessoas, para o mundo e para nós mesmos. Temos, assim, inevitavelmente, um núcleo doloroso vivo e, graças a Deus, com o poder de reedição a qualquer momento.

        Por isso se costuma dizer que a dor está no terreno particular, pois depende do significado que cada qual dá aos acontecimentos. E aí é que está a nossa criança machucada, para quem a passagem dos anos não significou outra coisa senão apenas adquirir um corpo adulto, uma vez que ali está ela, incólume. Seguiremos vida afora carregando aquela pessoinha magoada, que não perde a necessidade do colo, do consolo, da dissolução dos seus medos.

        A minha menininha interior é bem danada, me cutuca com perturbável frequência. Parece vir a mim confessar uma estrepolia qualquer, com as mãozinhas escondidas para trás e os olhinhos de uma culpa inocente, pedindo compreensão por se sentir tão deslocada dessa louca vida de gente adulta. Essa coisinha infantil que mora aqui dentro parece chorar e bocejar ao mesmo tempo, sucumbindo ao sono e ao cansaço num dado momento, exausta de recordações de outrora.

        O caminho é não ignorar nossa criança interior, ao contrário, deixá-la falar, porque é ela quem, justamente, tem o poder de mostrar que nem tudo precisa ser tão sério. É também para ela que se deve dizer que tudo "já passou", que "sua dor já pode ser transformada, ressignificada". Feliz de quem conversa com sua criança e consegue apaziguá-la, afirmando que tudo está bem, que pode agora olhar tudo diferente.

        Exercitar o convívio consciente e sadio com a criança que ainda somos, sentando no chão com ela e perguntando-a quais são ainda suas demandas emocionais, o que mais ela quer que ainda não tem, pode ser um bom modo de cura. Dialogar com ela de braços abertos, acolhendo-a para que fale o quê quiser, para que chore, brinque, exponha-se, crie, viva. 

        Que brote em nós a inspiração necessária para localizar este pequeno ser ferido que guardamos, dizendo-o o quanto pode se sentir amado e autorizado a viver plenamente, livrando-o do medo das críticas, do dever de perfeição que lhe fora imposto, da covardia frente a mudanças, do abandono.