quarta-feira, 29 de junho de 2022

 

                                                      QUANDO EU CRESCER


        Quando eu crescer quero conseguir parecer um pouco, ao menos, como minha filha mais velha. Ela mal sabe que há tempos eu a tenho como inspiração para inúmeras situações e dúvidas que me surgem. Ela sequer imagina que diante de alguns impasses eu fico pensando como será que ela agiria se estivesse em meu lugar. Eu a tenho como um modelo de conduta, de leveza perante os obstáculos. Que bom exemplo eu trouxe a este mundo!

        Queria muito ter, igual a ela, calma e tranquilidade para escutar o silêncio tão escondido entre os ruídos do mundo, e a capacidade de se desconectar do que lhe incomoda. Nunca precisa fazer alardes para ser notada, porque sua permanente luz preenche qualquer espaço. Pensa e age com uma sensatez que assusta a qualquer um. É delicada no seu jeito de ser, de falar, de lutar pelo que quer e acredita. É forte e suave ao mesmo tempo. Sabe se posicionar em defesa do seu ponto de vista, assim como não entra em conflitos que não lhe trarão qualquer benefício e apenas lhe roubarão energia e tempo. Com quem será que ela aprendeu isso?

        Quando eu crescer quero ser como ela, dona de um bom humor invejável, que sabe ser engraçada lançando pérolas inteligentes e arrancando gargalhadas com as comédias que espontaneamente constrói. Ao contrário de mim, não vai de zero a cem em segundos. Tem uma maturidade que encanta, ao lado de um grande talento para o gozo de sua juventude. Na idade dela eu era apenas alguém que havia recém deixado a infância. Ela não, já tem opinião sobre coisas que eu sequer havia pensado nessa fase da minha vida. Gostaria de ter a mesma perspicácia dela, que coexiste com um olhar bondoso para vida e as pessoas.

        Quando eu crescer quero ser como minha filha, que tem inúmeros amigos e faz listas intermináveis de convidados para suas festas de aniversário. Nunca vi tanta unanimidade em volta de uma só pessoa! Ela é alguém que agrada com seus atos e palavras, alguém que oferece prazer pela sua mera companhia. Quero muito entender esse seu poder de despertar tanta simpatia nas pessoas

        Quando eu crescer quero ser como Carolina, que, facilmente, abre mão de coisas sem importância e direciona seu vigor para o que realmente lhe interessa. Fiquei admirada com sua obstinação e estratégia para conseguir do pai a autorização para o intercâmbio fora do país com apenas 16 anos. Na ocasião, quando tentei alertá-la sobre algo que pudesse dar errado longe de casa, ela me responde com uma pergunta: e se der tudo certo, mãe? Calei-me. Aprendi ali com ela a olhar o lado bom das coisas. Ela estava certa, voltou do intercâmbio para casa recheada de experiências e histórias, abastecida de autoconfiança. E eu... há tempos venho ensaiando uma viagem solo, sendo que minha desculpa é sempre a mesma: falta de tempo. No fundo não tenho coragem.

        Quando eu crescer quero ser como minha filha, que sabe se equilibrar entre a seriedade e a fanfarrice, transitando por esses extremos sem se perder. Quero, do mesmo jeito que ela, saber que força e leveza convivem. Quero entender esse seu poder de se recuperar rápido frente aos incômodos, e tornar mais leve a vida de todos à sua volta. 

        Quando eu crescer, definitivamente, quero ser como ela e até que isso aconteça quero estar a seu lado sempre e em todos os momentos, para dizer-lhe o quanto a admiro e o quanto desejo que me ajude a ser mais parecida com ela.

     

quinta-feira, 9 de junho de 2022

 

LIVRO MÁGICO

    
        

            Fiquei muito impressionada na infância no dia em que alguém me contou sobre o poder mágico do livro O pequeno príncipe, escrito pelo francês Antoine de Saint-Exupéry. Disseram-se, com os olhos de quem revela um segredo, que esse era um livro de magias, mudando seus feitiços conforme crescíamos. Assim, a sua leitura feita quando criança produzia um determinado efeito, diferente de quando fosse lido na juventude e também depois, quando já na idade adulta. A mágica do livro, então, estava na sua capacidade de despertar interpretações diferentes em momentos distintos da vida do leitor.          

            Ora, seria mágico mesmo, não fosse pelo fato de que é o próprio leitor quem se modifica com o passar do tempo e vai percebendo tudo de maneiras diferentes. Evidentemente, quando crianças, temos um pequeno baú de experiências, um repertório limitado de conhecimentos, assim como um olhar límpido, puro e inocente ainda não preparado para os desencantos do mundo. Portanto, a mágica nunca esteve no livro, mas no leitor, de forma que me atrevo a dizer que até um gibi da Turma da Mônica produz tal efeito fantástico.

          Acredito que o livro 'O Pequeno Príncipe' tenha sido mesmo escrito com a intenção de abordar justamente a perda da inocência ao longo dos anos, pois é fato que as pessoas vão crescendo e a magia das coisas vai se desfazendo, o encanto natural vai cedendo lugar a um olhar menos iludido. Por exemplo, aquela máxima de que "o essencial é invisível aos olhos, e só se pode ver com o coração" será entendida com maior profundidade após alguns bons tropeços e quedas que a vida nos impõe sem cerimônias. É a partir daí que nos tornamos mais hábeis a perceber o real valor das coisas simples.

        O livro também parece querer antecipar ao pequeno leitor a lição de que nem sempre o que vemos à primeira vista é a realidade, como a figura da serpente que, tendo engolido um elefante, toma a forma de um chapéu. Para os pequenos, um verdadeiro espanto, mas nada de novo para alguém calejado, que já consegue desconfiar do que lhe aparece à primeira vista, capaz de sorrir compreensivamente com a mensagem.

        E o que dizer de "tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas"? Um verdadeiro e complexo enigma para a infância, cujo sentido só se compreende depois de se ter adquirido um coração recheado de encontros e despedidas.

        Assim, talvez seja justo pensar que a mágica não está nos livros, mas no olhar mutante daqueles que o leem, que se refina, se altera, se enriquece e se lapida com o acúmulo das experiências vividas. De qualquer modo, os livros são meros veículos dessa magia, testemunhas vivas da nossa transformação, de como a importância das coisas e das pessoas flutua ao sabor do tempo. Podemos afirmar então que qualquer livro é capaz de cumprir a missão de gerar efeitos mágicos para todos os que estiverem abertos à sua mensagem.