quinta-feira, 30 de março de 2017


OS FILHOS E O PRINCÍPIO DA IGUALDADE


   Quem tem mais de um filho sabe exatamente a dificuldade de aplicar o princípio da igualdade no âmbito familiar. Longe de privilegiar um deles, pai e mãe parecem querer se equilibrar na corda bamba do amor e da educação. Tendo aprendido que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza - conforme diz a nossa Constituição Federal - eu, que sou mãe, costumava seguir à risca essa recomendação em casa, distribuindo à prole tudo na mesma medida.          Então, se o pé de uma filha crescia mais rápido e precisava de sapato novo,  ia logo providenciando um novo par à outra filha, ainda que já tivesse uma penca de modelos ou passado pelo estirão do crescimento. Mudei de opinião. Se remédio só se dá a quem está doente, por que distribuí-lo a todos? A coisa de dar tudo igual aos filhos não funciona, seja materialmente ou não, porque as demandas são diferentes. Quando uma estiver triste, de agora em diante terá mais do meu tempo e atenção. A que tirar dez na prova terá meu aplauso e a que não se esforçar, uma conversinha em separado.

   Evidente que há coisas que devem ser igualmente oferecidas e até na mesma hora, mas não é disso que estou falando e sim daquela necessidade desenfreada de espelhar tudo. Passei a acreditar que o equilíbrio desmedido atrapalha, torna os gestos familiares automáticos, exclui o merecimento e ainda por cima sai pela culatra, porque não surte o efeito esperado. A equalização pura e simples só prejudica, não destaca ninguém. Quem faz aniversário é que merece ganhar presente. E dar a um não é tirar do outro. Se até a aplicação legal do princípio da igualdade na lei fundamental do país só se perfaz quando consideradas as desigualdades envolvidas, por que seria diferente dentro dos lares?


Talvez o ponto chave seja dar as mesmas chances, direitos e tratamento nas ocasiões oportunas, de acordo com a necessidade, pra que todos se sintam igualmente especiais. Então, de acordo com minha atual cartilha de mãe lá em casa, no que depender de mim, saibam que não vai faltar nada a ninguém.

O SILÊNCIO QUE UNE

Tempos atrás, um dia nublado me convidou a um café da tarde dentro da livraria. Pra mim, esse perfeito triângulo amoroso compõe a fórmula do prazer, da plenitude, eu diria até, do êxtase sublime insubstituível. Escolhi minha mesa, apoiando os candidatos a engordar minha biblioteca, fiz meu pedido e
de repente... nada do que planejei aconteceu. Minha atenção foi capturada pelo casal de idosos ao lado. Ele, recostado na cadeira, pernas cruzadas, tomava em golinhos lentos seu capuccino e distraía-se com o movimento geral. Ela, muito arrumada, cheia de joias, postura ereta, concentrava-se em revistas de fofoca. Durante os quarenta minutos em que ali permaneci só o que fiz foi observar os modos daquelas duas pessoas e, principalmente, sua total ausência de diálogo. Pois então, o que os teria prendido um ao outro por uma vida inteira? Quantas batalhas já teriam enfrentado juntos. Porém, não interagiam, não se olhavam, cada qual vivia no seu pequeno e efêmero universo particular. E eu ali, me transportando aos seus lugares e tentando extrair conclusões.
Que leitura, que nada! Meu divertimento foi examiná-los. Sorte que nem me viram, estavam absolutamente concentrados em seus interesses, pelo que, pude admirá-los sem medo de os incomodar.
Num dado instante e depois de paga a conta do consumo, o casalzinho se levanta e, ainda sem comunicar quaisquer palavras, dão-se as mãos e saem caminhando vagarosamente em direção à saída.
Isso é que é intimidade, pensei, compartilhar o silêncio sem obrigação de blá blá blá toda hora. Conversar é bom, debater assuntos em comum melhor ainda, mas respeitar o espaço e a individualidade de cada qual é sagrado, seja olhando o movimento em volta, seja bisbilhotando a vida dos famosos. Silêncio também é manifestação de vontade, logo, pode dizer muito. Talvez represente o diferencial entre ser feliz ou não, viver mais ou menos, ter muitas ou poucas rugas, economizar ou gastar pedidos de perdão. 
Naquela tarde em que eu me programara pra aprender mais um pouco com novas leituras, quanta coisa aprendi sem ler uma linha sequer.