O senso comum é muito rico de 'verdades equivocadas', que vem da lenta passagem do tempo e acaba legitimando orientações genéricas que, no fundo, são rasas ou de pouca validade. Refiro-me aos ditos populares nascidos do caldeirão social e que funcionam como atalhos de pensamento, prontos para serem aplicados nas situações do cotidiano. Talvez a natural preguiça do cérebro humano explique a razão da existência de tais ideias automáticas. Mas, ao contrário de segui-los cegamente, prefiro refletir a respeito dos seus conteúdos, sem medo de que isso possa representar um ato de ir contra a maré. Detesto me sentir condicionada a agir ou pensar com base em comandos sociais vigentes sem ao menos questioná-los.
Veja, por exemplo, a própria ideia de que o tempo
é o senhor da razão e tudo cura. Na minha modesta opinião, isso é uma
grande falácia, pois o tempo está longe de curar tudo. No máximo, acalma e
suaviza, porque feridas antigas não deixam de existir só porque anos e anos já
se passaram. Elas continuam ali, quietinhas no subsolo da mente, produzindo
efeitos no inconsciente das pessoas e podem ser colocadas sob o holofote
da consciência, e todo o seu potencial angustiante renasce de
um minuto para outro. Portanto, acreditar que o tempo atua como lenitivo para
dores não me parece a melhor saída. Bom mesmo é apostar em nossa capacidade de
ressignificar os fatos.
Outra mentira social com a qual não concordo é
aquela melhor um pássaro na mão do que dois voando. Isso me traz a duvidosa
ideia de que é possível ter garantias na vida, o que está em
desacordo com a sua impermanência. Também me instiga a pensar que a ordem é nos contentarmos com pouco, só porque é mais palpável. Pois olha, às vezes
o pássaro na mão pode ter garras afiadas e bico muito pontudo e daí nem é tão bom assim, sendo melhor que voe pra bem longe mesmo.
Há inúmeros exemplos de que ter nada na mão é mais interessante, como um emprego ruim, um relacionamento ruim.
E pra quem acha que Deus ajuda a quem cedo madruga,
lamento informar que as coisas não são desse jeito. O que fica claro com essa
frase é que, para prosperar, o ser humano precisa ralar, dar muito duro e que
ninguém jamais será bem sucedido se não se sacrificar na corrida pelos sonhos.
Definitivamente, não concordo que o sofrimento seja pré-requisito para a
prosperidade. A gente tem mania de valorizar o que é difícil de conseguir, como se o merecimento só pudesse vir de sangue, suor e lágrimas. Além do mais, quanta gente rala de sol a sol e não sai do lugar? Assim como
sempre temos notícia de gente que chega ao topo valendo-se de visões
estratégicas e decisões acertadas, tal como uma jogada de mestre.
Tem outra: minha mãe adora dizer que mente vazia é
oficina do diabo. Nada a ver. Se esse decreto popular tivesse algum fundo
de verdade não existiriam músicas new age, técnicas de mindfullness,
aulas de meditação entre outros tantos caminhos para se chegar ao
Nirvana. Mente vazia é a coisa mais deliciosa que existe. Não tem
ansiedades, nem preocupações ou outras coisas que possam se transformar em
somatizações. Queira Deus que eu consiga ficar mais vezes com a cabeça vazia e garanto que não existirá diabinho algum a se aproveitar da paz e
do silêncio pra plantar maluquices na minha cabeça.
Uma verdade que também é bem popular é essa: onde há
fumaça, há fogo, mas sem chance de colar em mim. Se isso fosse certo, não existiria
detetive e investigador. Bastava desconfiar de algum fato pra tomá-lo como verdade. No mínimo,
tomar como fogo o que é apenas fumaça significa leviandade, porque estaria autorizado apontar o dedo sem provas. Pra mim, esse ditado demonstra como o povo é desconfiado e enxerga o mundo a partir daquilo que tem dentro
de si mesmo. Além do mais, é a porta aberta para a imposição de rótulos indevidos e criação de injustiças.
O antes tarde do que nunca é outra balela do
cotidiano cultural, porque tem muita coisa que é bem melhor que nunca aconteça
mesmo. Não casar nunca é bem melhor do que casar tarde com alguém que só trará
dissabor e tristeza. Mudar-se para outra cidade é outro exemplo de um
nunca melhor do que um tarde; eu mesma conheço um caso nesse sentido e olha que
se tratava de uma sonhada mudança para uma praia do Nordeste, mas que só
trouxe aborrecimento.
Tem também o não deixe para amanhã aquilo que você
pode fazer hoje. Não acredito nisso e que ninguém perca seu tempo
tentando me convencer quanto à suposta verdade embutida nessa frase. É
muito bom deixar pra amanhã aquilo que mesmo hoje se pode fazer. Talvez até
esse seja o diferencial para fazer algo de melhor qualidade. Amanhã poderemos
ter mais cabeça fria do que hoje, assim como maior tempo para reflexão sobre o problema.
Amanhã também nossa ansiedade talvez possa dar uma trégua, nosso corpo esteja mais disposto
ou de noite nosso inconsciente nos presenteie com um sonho revelador de um melhor caminho
a tomar. Assim, procrastinar não é
tão mal quanto parece e há vários estudos indicando que empurrar a tarefa pra
mais tarde pode significar uma solução mais criativa e um resultado mais positivo para uma questão.
E quem acha que para bom entendedor, meia palavra
basta, aí vai uma pergunta: quem é o bom entendedor? Ora, ninguém. Ninguém
é capaz de avocar para si esse título, pois no dia a dia é muito comum ouvirmos
uma coisa e entendermos outra bem diferente e isso independe de ser bom,
inteligente ou atento. E se a comunicação for virtual, ainda, daí é que o problema potencializa. Tudo depende de como nossas referências internas
costumam nos guiar para o entendimento do mundo. A
percepção individual é como um molde prévio, uma janela, por meio da qual vemos tudo de uma maneira muito particular. Ninguém foge disso. Então, por favor, meu singelo
conselho é: não dispensemos uma palavra inteira, porque ninguém é bom entendedor o
bastante pra se comunicar pela metade!
Pra terminar, mas sem esgotar essa brincadeira de desafiar
as verdades populares, aquela que diz que cavalo dado não se olha os
dentes também me parece uma grande mentira. Não há ninguém que em seu
íntimo acredite ter tido alguma vantagem ao receber de graça um presente de
grego ou um elefante branco sem utilidade. Sejamos sinceros e verdadeiros
conosco e esta é, pra mim, a verdade das verdades.


