quarta-feira, 10 de novembro de 2021

 

                                                          

                             ESPELHO DA ALMA

            Não é de hoje que adoro metáforas. Elas condensam sentidos. Expressam muito significado com poucos recursos linguísticos. Dizem com outras palavras aquilo que com as palavras certas, às vezes, não conseguimos exprimir. Encurtam caminhos. Deixam as coisas subentendidas. É também a linguagem do inconsciente, porque expressa conteúdos latentes, como Freud teorizou. Usar metáforas me parece um bom exercício de retórica, com a vantagem de poder ser também uma ferramenta de reflexão.

        Hoje mesmo não pude deixar de exercitar meu talento para construir paralelos me aproveitando da cirurgia para retirada de catarata do olho da minha mãe, que vinha, há um bom tempo, enxergando tudo borrado. Pra começar, fiquei pensando naquela máxima popular de que os olhos são o espelho da alma e no porquê de esse problema de visão ser conhecido com o nome de catarata. Pra quê!!! Minha cabeça voou. Comecei pensando que catarata, pra mim, é uma água que não tem fim, que escorre em forma de avalanche, que faz barulho e respinga em quem está por perto. As mais de dez viagens que já fiz a Foz do Iguaçu não me deixam mentir. 

        Será que quem tem catarata nos olhos sofre do acúmulo de lágrima? Eis aqui uma comparação que acabei de inventar como desculpa pra filosofar.Teria minha mãe enfrentado as barras da vida tentando ser forte e, por dentro, segurando uma baita vontade de chorar? E daí chega um dia em que a alma dela endereça ao corpo (olho) um sintoma, na verdade um recado, que há tempos vinha tentando entregá-la dizendo algo como: - Que tal ver tudo de uma forma diferente? Então, será a catarata uma espécie de metáfora ou linguagem do distúrbio ocular? Terá sido uma forma de convite para enxergar tudo mais nitidamente, num sentido mais metafísico? 

        Quem sabe as perturbações que nos impedem de enxergar com os olhos do corpo revelem, simbolicamente, a dificuldade de vermos um outro lado da vida. Ou talvez tudo não passe mesmo de mera vontade minha de transformar em filosofia o que a vida traz.

        Alguém diria que sim, que tudo não passa de um romantismo bobo meu, pois todo mundo tem ou vai ter catarata um dia na vida e, portanto, nada a ver minhas analogias usando os males do corpo. Mas daí pergunto: todos nós não teríamos bons motivos para que uma catarata nos olhos nos servisse de convite a enxergar tudo com clareza com respeito à nossa jornada nesse mundo? Pra mim isso é cristalino, aliás, é o cristalino dos olhos a estrutura afetada na catarata...portanto, tudo se encaixa nessa minha lógica de sabedoria recém inventada! Dá pra afirmar que nem Freud enxergava tão bem seu próprio umbigo, sendo ele próprio quem defendeu a ideia dos sintomas físicos como recados do inconsciente.

        De qualquer modo, seja ou não a alma da minha mãe trazendo-lhe a catarata como linguagem para sugerir uma nova visão de mundo, a verdade é que sempre é bom tirar as vendas de nossos olhos internos e ver com mais nitidez as cores da nossa caminhada.

       

         

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