quarta-feira, 24 de novembro de 2021

 

                                                        ZONA DE CONFORTO


         Dias atrás fui ao shopping pra resolver pequenas coisinhas. Pra mim é o tipo de lugar perfeito, pois num só endereço podemos dar uma incrementada no guarda roupa, renovar os utensílios da cozinha, dar uma chegada na farmácia, fazer um lanche e ainda ganhar relaxamento. Como eu sabia que ficaria umas três horas perambulando por lá, saí de casa com meu par de sapatos mais confortável, de salto baixo e acolchoado por dentro. Já tinha ido a vários lugares com ele em outras ocasiões, e o bendito fora sempre fiel aos propósitos que me fizeram comprá-lo.

        O triste é que não consegui ficar lá pelo tempo a que me propus e meu divertimento foi por água abaixo. À certa altura meus pés logo começaram a reclamar formando bolhas bem doloridas, tal qual um alarme me dizendo pra ir embora urgentemente. Sem conseguir fazer metade do planejado, só deu mesmo pra ir mancando até o estacionamento, pegar o carro e dirigir descalça de volta pra casa e, depois disso, encarei uma semana inteira só andando de Havaianas pra não piorar o quadro.

        Em minha cabeça veio a dúvida óbvia: será que andei demais? Pior que não, foram apenas umas poucas voltas e, paralelamente, sequer cogitei ter escolhido o sapato errado, afinal julguei-o o mais bem cotado para aquela missão.  Então, se não havia exagerado na quantidade de passos que dei, só uma coisa poderia ter acontecido: fui infeliz na escolha daquele par azul marinho de verniz, e aquelas bolhas doídas me sinalizavam o ponto final da antiga parceria.

       Foi imediata minha conclusão, pelo método de tentar enxergar adiante do que o cotidiano nos permite: nem tudo o que é confortável é sinônimo de agradável, bom ou merece ser mantido, necessariamente. Muitas vezes é tudo uma questão de costume ou de uma falsa percepção de que estamos protegidos sem percebermos os machucados escondidos. É a tão famosa zona de conforto que, ao mesmo tempo, nos atrai, mas também nos engana, pois impede voos mais ousados em direção a mundos e situações diversas. O agradável conjunto de ações, pensamentos e comportamentos a que estamos habituados e que nos blindam contra medos, riscos, ansiedades e angústias são como trilhas bem conhecidas pelas quais andamos e já sabemos onde dará, mesmo sabendo que nosso encontro será com dores. Que tal experimentar algo novo dentro dos limites da ética que cada qual adota para sua vida? Que tal descer em outras estações? Que tal sair da caverna? Que tal?

        Penso que a ideia de bem-estar e comodidade acaba sendo um tanto relativa, já que até sofrimentos a que estamos acostumados nos dão a falsa sensação de conforto. Atentar-se para outras formas de olhar a vida, atrever-se a andar por caminhos desconhecidos ou arriscar o novo nem sempre é prenúncio de bolhas doloridas, ao contrário, poderá nos tornar mais adaptáveis e hábeis na tarefa de solucionar outras dificuldades. Nosso leque de habilidades se amplia e talvez nossa biografia ou nosso livro de histórias possam ficar mais gordinhos.

       

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