quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

PALÍNDROMO


       O dia de ontem foi único porque a sua configuração numérica permitiu identificá-lo da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, de cima para baixo e de baixo para cima. De qualquer ângulo que se lesse chegava-se à mesma data de vinte e dois de fevereiro de dois mil e vinte e dois. Chama-se palíndromo e o próximo somente acontecerá em doze de dezembro do ano de dois mil, cento e doze, quando já tivermos virado poeira estelar.

       Mais do que por uma coincidência matemática, e pela raridade do fenômeno, as redes sociais estavam recheadas de recomendações místicas para aproveitar o momento mágico para um despertar de consciência a partir da abertura de um portal energético, universal e único. O recado astral era aproveitar a oportunidade para um mergulho nas emoções, uma limpeza das bagagens cármicas, um renascimento em vida.

        A crença depende de cada um, logicamente, contudo, é válida, no mínimo, para estimular reflexões destinadas a uma existência menos difícil e mais feliz. Eu mesma conversei com o universo e me abri para o recebimento de sua energia, fiz propósitos, listei questões pessoais que demandam modificação, conectei-me com a espiritualidade e, verdadeiramente, acredito no efeito dessa prática transcendental. 

      Mas pensa bem, palíndromo ou não, energético ou não, cada dia é igualmente único e especial, e cada momento da vida é propício para refletir e ampliar a consciência, conectar-se ao cosmo, reformular velhos hábitos, eliminar crenças limitantes, corrigir padrões nocivos, abrir-se para o bem. Para mim, qualquer dia deve ser sempre sentido como especial por permitir a possibilidade de sermos, nós próprios, o portal de acesso para um nível superior de bondade, a partir da conscientização para aspectos coletivos, sociais, ecológicos, políticos e não apenas individuais.

    Seria muito bem-vinda uma forcinha dos céus para uma vida melhor para toda a nossa humanidade, todo o nosso planeta, nosso país, nossa sociedade, nossos semelhantes, mas tenho certeza de que, mais do que aguardar pela mudança vinda de fora, a grande diferença haverá de começar a partir de cada um de nós, individualmente. Menos guerras, menos interesses financeiros, menos agressão à natureza, menos racismo, menos violência, menos dominação, isso sim será reflexo de uma verdadeira ampliação de consciência e o resultado de uma genuína transformação que deve começar no íntimo de cada ser. Façamos a nossa parte, porque não é razoável pensar que não somos nós próprios as peças chave para a implantação de tudo o que queremos de bom para todos. 

        De toda forma, estejamos alertas para as luzes do mundo sobre cada cabeça pensante como um bom ponto de partida para tantas reformas necessárias, acreditando que, como parte deste todo universal, possamos nos beneficiar com as energias poderosas para construirmos um mundo mais humano, com mais empatia, amor, tolerância e bondade.

        

Foto: https://www.sonoticiaboa.com.br/2022/02/19/data-palindromo-22-02-2022-semana-misticos-portal


domingo, 20 de fevereiro de 2022

 

ABENÇOADA VACINA

        Entrando já para o terceiro ano da pandemia do Coronavírus, fico pensando em quanta dor e sofrimento foram vivenciados por milhões de pessoas mundo afora. Quantas perdas, quantas lágrimas, quantos prejuízos, quanto desespero, quanto retrocesso. Até que chegassem as vacinas, éramos presas fáceis de um código genético ambulante e altamente ameaçador. Nessa altura ainda somos presas fáceis, mas, com a chegada dos imunizantes, a força do inimigo ficou diminuída. 

        Aqui em casa, assim como de meus familiares, sempre cuidamos muito desde o início. Fizemos vários períodos de lockdown mesmo quando não era o Poder Público quem nos obrigava a isso. Usamos milhares de máscaras descartáveis e galões de álcool e guardamos distância das pessoas. Nossas festas de aniversário foram todas virtuais. Deu certo, e foi graças a essas medidas que todos puderam mais tarde se beneficiar com as três doses da vacina. Bem por isso é que, quando inevitavelmente infectados, tiveram apenas um resfriadinho fraco, bem mais fraco do que outros que já haviam tido no passado.

        Minha vez chegou semana passada. Testei positivo e daí tive de me fechar sozinha por cerca de sete dias no quarto, sem contato com minhas filhas e meu marido, ainda que todos nós tivéssemos nos protegido com as três doses da vacina. O isolamento destinou-se a evitar a transmissão para outras pessoas. Enfrentei, portanto, alguns dias reclusa no cômodo em que costumo guardar a maioria dos meus livros preferidos, assim como manter uma caixa de som para deixar rolar minha playlist favorita, e uma TV com mil possibilidades de distração. Nada mal. Tive também comida, bebida e remédios na hora certa. Na verdade eu me senti num hotel, descansando de tudo.

        Tirando o lado trágico da Covid para tantas pessoas que não tiveram a mesma chance ou não quiseram se vacinar, eu, especificamente, pude aproveitar-me do vírus para me dar de presente uma semana inteira de prazer. Nesse período de isolamento aproveitei para fazer tudo de que gosto e que, normalmente, não tenho tempo para desfrutar por causa do corre-corre diário. Li dois livros inteiros, assisti a cinco filmes muito interessantes, concentrei minha atenção nas letras das músicas que eu só ouvia por gostar da melodia. Meditei várias vezes. Recebi mimos deixados na porta do quarto, como bombom, cafezinho e revista. Me senti amada.

        Usufruí de um doce silêncio que já até tinha me esquecido de como era, deitada na minha cama e com os olhos dirigidos ao teto. Que paz incrível! Eu não sabia que meu dia a dia comum estava tão disfuncional em termos de me proporcionar bem-estar. Não há mesmo como descansar a cabeça quando a agenda nos impõe compromissos de todas as ordens, de forma que, ao cabo daqueles dias em que eu me recuperava sozinha entre quatro paredes, posso afirmar que até gostei da experiência.

        Minha maior intenção com esse relato é dar meu testemunho como base para uma dica de ouro, na verdade, uma recomendação importante para quem ainda está em dúvida quanto a submeter-se ou não às doses da vacina contra a Covid. Não deixe esta oportunidade passar, agarre-a, para que na eventualidade de ser alcançado pela doença, a preocupação se restrinja a decidir sobre o que ler, ao que assistir ou o que ouvir como remédio para a higidez mental, uma vez que a vida, a própria e a dos demais, já estará sendo cuidada pelo imunizante.

       

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

 

CAÇADORA DE AXIOMAS


        Entre tantos gêneros literários que contentam meu espírito, percebo que não preciso ler apenas filosofia para extrair aprendizados dessa natureza. Costumo encontrá-los em romances, contos, crônicas e outras produções, e para isso são muito úteis canetas coloridas, asteriscos e sublinhados para destaque de tudo o que qualifico como pérolas dignas de incorporação. Chego ao ponto de dar-lhes o nome de axiomas. Sim, axiomas, aquelas verdades indemonstráveis, mas tidas como premissas evidentes, princípios que não precisam de comprovação, algo próximo do que se costuma conhecer como provérbio, merecendo disseminação generalizada. Cito aqui apenas alguns desses axiomas que muito me agradam.   

        Em Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski, escrito em 1866, já no seu início deparei-me com uma máxima escrita pelo escritor russo que, posso apostar, dela ninguém ousaria discordar: 'tudo está ao alcance do homem e ele deixa isso tudo escapar só por medo'. Não há ser humano, em minha opinião, sobre o qual não lhe caia como uma luva essa afirmação. Eu sequer cogitaria conseguir encontrar alguém que, a título de exceção, fosse imune a tal verdade. Julgo realmente desnecessário perdemos tempo com demonstrações de que o medo, de fato, afasta-nos do que já está dado de alguma forma, e por causa dele nos furtamos de um sem número de experiências ao longo da vida. Axioma, portanto.

        Mia Couto, importante escritor moçambicano, é outro que vi escrever joias infiltradas em estórias deliciosas de ler. No seu romance intitulado Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra, publicado em 2002, soou-me como verdade indemonstrável a frase 'Certas coisas vemos melhor é com os olhos fechados'. Pura verdade, convenhamos, ou será que alguém discorda de que não precisamos de olhos para vermos nossa alma? Como seriam sonhos e fantasias caso pudessem apresentar-se ao vivo na nossa frente? Não seriam sonhos nem fantasias. Há coisas, não tenho dúvida, cuja condição para existir é justamente desativar o sentido físico da visão, sejam boas ou ruins, reconhecendo que não é só poesia que habita as mentes. Outro axioma aqui, portanto, que até me lembra do conhecido paradoxo de que é também no silêncio que conseguimos ouvir melhor certas coisas.

        Com certo cuidado, e encolhendo-me um pouco para proteger-me contra ataques, ouso também elevar à categoria de axioma o que Virgínia Wolf escreveu em seu famoso romance Mrs. Dolloway, publicado em 1925, que 'Amar nos faz solitários'. Perdoem-me os dissidentes dessa minha ousada intervenção, mas tomo-a sim como um axioma, tão nítido quanto água e, por isso, devia ser ensinado nas escolas como lição profilática contra sofrimentos próprios da vida adulta. Primeiro, porque o amor é autorreferido. Quero dizer que não amamos o outro mas a ideia que fazemos do outro. Segundo, porque é comum nos vermos em meio a expectativas nunca completamente atendidas, e nem preciso restringir meu entendimento aos amores românticos. É fato consumado que o bebê humano também é dado a estrepolias para chamar a atenção de quem lhe cuida, querendo ser, pretensamente, o centro de suas atenções. Terceiro, porque sempre vi apaixonados lançando pseudópodes em direção ao ser amado, querendo, ilusoriamente, capturá-lo. Aqui, mais um axioma.

        Em meu julgamento, outra daquelas verdades digna de menção, é a afirmativa de que 'o homem não foi feito para a derrota', como escreveu Ernest Hemingway em seu sensível O Velho e o Mar, publicado em 1952. O gênero humano foi mesmo feito para vencer, e sempre vence. Nunca erra. Quando acredita que errou, no fundo, aprendeu e se todos erramos, todos aprendemos e, portanto, não há derrotados, mas professores e aprendizes. Todo homem deve saber que é, desde o seu nascimento, um sucesso da natureza e merecedor do prêmio da felicidade. Todo homem deve saber que não nasceu para ser dominado, impedido, humilhado, explorado e que discordâncias são construtivas, e não lados opostos.

        Não poderia me furtar de indicar Machado de Assis, que também é dado a afirmações com cores de axioma, entre as quais, aquilo que escreveu em sua novela O Alienista, publicada em 1882, num diálogo entre Simão Bacamarte e o Sr. Soares: "Suponho o espírito humano como uma vasta concha, o meu fim, Sr. Soares, é ver se posso extrair a pérola, que é a razão". Não tanto porque já me preparava para finalizar, mas aqui vou terminando minhas divagações, porque o divertido axioma machadiano é, pra mim, de clareza solar, dispensando comentários, tamanha a sua felicidade em brincar com a verdade.

        Enfim, são tantas as preciosidades que me chegam pelas leituras que eu, uma caçadora de axiomas nata, vou tendo que parar por aqui, pois se tem algo que eu considero como verdade absoluta é a de que se me deixar, não paro nunca de escrever.

        

        

        

          

domingo, 13 de fevereiro de 2022

CRÈME DE LA CRÈME


        Já imaginou que você pode se considerar um crème de la crème? Significa o melhor dos melhores, a melhor pessoa em um dado grupo, alguém com muitas qualidades, que atrai olhares e admiração de todos, causando espanto positivo geral. Comece a se chamar de crème de la crème e, principalmente, comece a acreditar nisso. Ouça essa voz interior benevolente que brota do seu próprio íntimo falando coisas boas a seu respeito e, simplesmente, se ache... Isso mesmo, se ache tudo de bom, sem esperar por elogios externos para começar a perceber-se como uma pessoa porreta. Tome como a mais pura verdade tudo aquilo de muito bom que você disser a si mesmo.

        Vale a pena a experiência e, fique tranquilo, pois ninguém precisa saber, já que tudo irá se processar em silêncio e sem testemunhas. Com o tempo, essa prática virará hábito e você se acostumará a ficar jogando confetes sobre a própria cabeça. Dá para pensar nisso, ainda, como uma estratégia para neutralizar aquele terrível costume da autocrítica. Se a gente acredita em tanta coisa ruim que nem é verdade e que faz um estrago danado, por que não acreditar naquilo que, ao contrário, pode nos favorecer? Que tal enaltecer a própria beleza e inteligência? Que tal avaliar que agiu certo numa determinada situação? Que tal sorrir pra você mesmo em frente ao espelho?

        Então, ao invés de bombardear a mente com auto injúrias e pensamentos negativos, inúteis e prejudiciais, saia por aí exibindo-se para si mesmo. Sim, você merece. Olhe quanta areia você é para o seu próprio caminhãozinho. Que a palavra de ordem para blindar-se contra tudo e permitir-se a autoestima seja eu me amo. Apaixone-se por sua própria pessoa, parando de se comparar com os outros, pois cada um tem sua própria história, cada um tem um peso diferente para carregar.

        A vida nos impõe tantos desafios que alguns momentos de love story consigo mesmo só fará bem. Coma o que gosta, vá a lugares divertidos, pratique atividades que te tragam prazer, saia do automático, presenteie-se, aplauda-se, releve seus erros, perdoe-se. Não é pecado, é amor.