sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

 

CAÇADORA DE AXIOMAS


        Entre tantos gêneros literários que contentam meu espírito, percebo que não preciso ler apenas filosofia para extrair aprendizados dessa natureza. Costumo encontrá-los em romances, contos, crônicas e outras produções, e para isso são muito úteis canetas coloridas, asteriscos e sublinhados para destaque de tudo o que qualifico como pérolas dignas de incorporação. Chego ao ponto de dar-lhes o nome de axiomas. Sim, axiomas, aquelas verdades indemonstráveis, mas tidas como premissas evidentes, princípios que não precisam de comprovação, algo próximo do que se costuma conhecer como provérbio, merecendo disseminação generalizada. Cito aqui apenas alguns desses axiomas que muito me agradam.   

        Em Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski, escrito em 1866, já no seu início deparei-me com uma máxima escrita pelo escritor russo que, posso apostar, dela ninguém ousaria discordar: 'tudo está ao alcance do homem e ele deixa isso tudo escapar só por medo'. Não há ser humano, em minha opinião, sobre o qual não lhe caia como uma luva essa afirmação. Eu sequer cogitaria conseguir encontrar alguém que, a título de exceção, fosse imune a tal verdade. Julgo realmente desnecessário perdemos tempo com demonstrações de que o medo, de fato, afasta-nos do que já está dado de alguma forma, e por causa dele nos furtamos de um sem número de experiências ao longo da vida. Axioma, portanto.

        Mia Couto, importante escritor moçambicano, é outro que vi escrever joias infiltradas em estórias deliciosas de ler. No seu romance intitulado Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra, publicado em 2002, soou-me como verdade indemonstrável a frase 'Certas coisas vemos melhor é com os olhos fechados'. Pura verdade, convenhamos, ou será que alguém discorda de que não precisamos de olhos para vermos nossa alma? Como seriam sonhos e fantasias caso pudessem apresentar-se ao vivo na nossa frente? Não seriam sonhos nem fantasias. Há coisas, não tenho dúvida, cuja condição para existir é justamente desativar o sentido físico da visão, sejam boas ou ruins, reconhecendo que não é só poesia que habita as mentes. Outro axioma aqui, portanto, que até me lembra do conhecido paradoxo de que é também no silêncio que conseguimos ouvir melhor certas coisas.

        Com certo cuidado, e encolhendo-me um pouco para proteger-me contra ataques, ouso também elevar à categoria de axioma o que Virgínia Wolf escreveu em seu famoso romance Mrs. Dolloway, publicado em 1925, que 'Amar nos faz solitários'. Perdoem-me os dissidentes dessa minha ousada intervenção, mas tomo-a sim como um axioma, tão nítido quanto água e, por isso, devia ser ensinado nas escolas como lição profilática contra sofrimentos próprios da vida adulta. Primeiro, porque o amor é autorreferido. Quero dizer que não amamos o outro mas a ideia que fazemos do outro. Segundo, porque é comum nos vermos em meio a expectativas nunca completamente atendidas, e nem preciso restringir meu entendimento aos amores românticos. É fato consumado que o bebê humano também é dado a estrepolias para chamar a atenção de quem lhe cuida, querendo ser, pretensamente, o centro de suas atenções. Terceiro, porque sempre vi apaixonados lançando pseudópodes em direção ao ser amado, querendo, ilusoriamente, capturá-lo. Aqui, mais um axioma.

        Em meu julgamento, outra daquelas verdades digna de menção, é a afirmativa de que 'o homem não foi feito para a derrota', como escreveu Ernest Hemingway em seu sensível O Velho e o Mar, publicado em 1952. O gênero humano foi mesmo feito para vencer, e sempre vence. Nunca erra. Quando acredita que errou, no fundo, aprendeu e se todos erramos, todos aprendemos e, portanto, não há derrotados, mas professores e aprendizes. Todo homem deve saber que é, desde o seu nascimento, um sucesso da natureza e merecedor do prêmio da felicidade. Todo homem deve saber que não nasceu para ser dominado, impedido, humilhado, explorado e que discordâncias são construtivas, e não lados opostos.

        Não poderia me furtar de indicar Machado de Assis, que também é dado a afirmações com cores de axioma, entre as quais, aquilo que escreveu em sua novela O Alienista, publicada em 1882, num diálogo entre Simão Bacamarte e o Sr. Soares: "Suponho o espírito humano como uma vasta concha, o meu fim, Sr. Soares, é ver se posso extrair a pérola, que é a razão". Não tanto porque já me preparava para finalizar, mas aqui vou terminando minhas divagações, porque o divertido axioma machadiano é, pra mim, de clareza solar, dispensando comentários, tamanha a sua felicidade em brincar com a verdade.

        Enfim, são tantas as preciosidades que me chegam pelas leituras que eu, uma caçadora de axiomas nata, vou tendo que parar por aqui, pois se tem algo que eu considero como verdade absoluta é a de que se me deixar, não paro nunca de escrever.

        

        

        

          

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