quinta-feira, 22 de setembro de 2022

DOR E ALMA

            Como é que duas palavras tão diferentes podem rimar tanto? Apesar de dor e alma possuírem, cada qual, ortografia e fonética absurdamente diferentes e com significados também distintos, estão intimamente ligadas dentro do imaginário geral ou, sem sombra de dúvida, do meu próprio imaginário. A rim parece-me relacionar-se ao sentido destas palavras, ao 'não dito' que extrapola da significação de cada um desses termos.

            Particularmente, entendo ser inevitável experimentar uma dor sem, ao mesmo tempo, sentir-me viva e plena de uma alma movimentando-se internamente. Acredito mesmo que encarar certa dor no peito possa deflagrar a sensação de que eu existo, ainda que isso soe meio paradoxal ou estranho.

        Ouso afirmar que talvez nem a alegria ou o riso sejam tão competentes quanto uma amargura esporádica para proporcionar a sensação de viver e fazer testemunho de que a angústia é parte da vida, o contraponto daquela incômoda sensação de prazer ininterrupto que sempre buscamos. Ninguém conseguiria se reconhecer feliz sem as inevitáveis adversidades e os percalços que a realidade dura impõe a todos. O escritor alemão Goethe até disse certa vez que "nada é mais difícil de suportar do que uma sucessão de dias belos". Concordo.

        Vez ou outra, a cabeça e o coração mergulhados num caldo de desolação e infelicidade dão-me a certeza de estar viva, agindo como contraponto dos dias felizes. Não, não sou depressiva, melancólica ou desanimada. Sou apenas alguém que consegue extrair de estados de espírito mais sombrios o combustível para sentir a vida intensamente e até saber que gosto têm os prazeres.

         Adoro aquela música "Alma" da cantora Simone, porque a primeira estrofe já me captura nisso que estou dizendo: "há almas que têm as dores secretas, as portas abertas sempre pra dor". 

        Tenho a certeza de que uma dessas almas da canção é a minha, abrigo para dores secretas, capaz de acolher mais outras que apareçam de repente para ocupar espaços vazios e tudo o mais que, não cabendo em outras categorias, acabará ficando solto e perdido sem explicação, ecoando internamente e preparando-me para o reconhecimento de alegrias vindouras.

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