DOR E ALMA
Como é que duas palavras tão diferentes podem rimar tanto? Apesar de dor e alma possuírem, cada qual, ortografia e fonética absurdamente diferentes e com significados também distintos, estão intimamente ligadas dentro do imaginário geral ou, sem sombra de dúvida, do meu próprio imaginário. A rim parece-me relacionar-se ao sentido destas palavras, ao 'não dito' que extrapola da significação de cada um desses termos.
Particularmente,
entendo ser inevitável experimentar uma dor sem, ao mesmo tempo, sentir-me viva
e plena de uma alma movimentando-se internamente. Acredito mesmo que encarar
certa dor no peito possa deflagrar a sensação de que eu existo, ainda que isso
soe meio paradoxal ou estranho.
Ouso afirmar que talvez nem
a alegria ou o riso sejam tão competentes quanto uma amargura esporádica
para proporcionar a sensação de viver e fazer testemunho de que a angústia é
parte da vida, o contraponto daquela incômoda sensação de prazer ininterrupto
que sempre buscamos. Ninguém conseguiria se reconhecer feliz sem as inevitáveis
adversidades e os percalços que a realidade dura impõe a todos. O escritor
alemão Goethe até disse certa vez que "nada é mais difícil de suportar do
que uma sucessão de dias belos". Concordo.
Vez ou outra, a cabeça e o
coração mergulhados num caldo de desolação e infelicidade dão-me a certeza
de estar viva, agindo como contraponto dos dias felizes. Não, não sou
depressiva, melancólica ou desanimada. Sou apenas alguém que consegue extrair
de estados de espírito mais sombrios o combustível para sentir a vida
intensamente e até saber que gosto têm os prazeres.
Adoro aquela música
"Alma" da cantora Simone, porque a primeira estrofe já me captura
nisso que estou dizendo: "há almas que têm as dores secretas, as portas
abertas sempre pra dor".
Tenho a certeza de que uma
dessas almas da canção é a minha, abrigo para dores secretas, capaz de
acolher mais outras que apareçam de repente para ocupar espaços vazios e
tudo o mais que, não cabendo em outras categorias, acabará ficando solto e
perdido sem explicação, ecoando internamente e preparando-me para o
reconhecimento de alegrias vindouras.
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