A CULPA É DO OUTRO
A culpa é do outro, sempre. Primeiro, porque se for minha mesmo, eu costumo colocá-la em quem eu quiser, como se diz popularmente, e em tom de muita ironia, óbvio. Segundo, e daí em tom mais sério, porque é bem mais prático depositar no lombo de alguém aquilo que não queremos assumir em nós. Esta é, inclusive, a fórmula adotada para nos livrarmos da responsabilidade que nos cabe pelas nossas escolhas, e a dificuldade está em assumir nossos atos e omissões, o que dá trabalho, fere o nosso maravilhoso ser perfeito, pobre injustiçada vítima do mundo. Então, é melhor mesmo atribuir a um outro qualquer a autoria do que fazemos.
Essa dinâmica se processa de forma inconsciente. No entanto, com um pouco de claridade interior, podemos reconhecer nossa participação naquilo do que nos queixamos. É possível retirar do senso comum exemplos desse conhecido ímpeto de por na conta de um outro aquilo que nos incomoda.
Veja, não é de hoje que muita gente se serve do demônio para livramento das culpas pelos crimes, maledicências e todo tipo de desvio de conduta. Cômodo dizer que o capeta invadiu meu ser e cometeu atos que eu sequer consigo explicar. É como um escudo. Da mesma forma, aquele corpo que arde de paixão e desejo por determinada pessoa também serve como cenário da terrível invasão do coisa ruim.
Apontar o dedo para o outro, qualquer outro, faz aflorar na alma aflita a tranquilidade diante da angústia da culpa, deixando para longe as avaliações acerca das escolhas e trazendo para perto o veredito da inocência. O diabo é que simplesmente se infiltra no íntimo do ser por alguma fresta, invade-lhe sem autorização, faz estrago e foge sem maiores consequências. É fácil depois denunciá-lo a Deus, recusando-lhe o direito de defesa e saindo-se ileso. É comum também ajoelhar-se no ouvido do padre, assim como solicitar luz ao universo para que ilumine a cabeça dos coitados merecedores do perdão.
Que nada, é da nossa natureza humana guardar um caldeirão de pulsões e instintos que gritam por satisfação e exigências cegas. Deixemos o inocente demônio de lado. Somos nós os protagonistas de tudo isso, ninguém nos invadiu.
É por não conseguirmos reconhecer nossa parte oculta, nossa sombra, que costumamos acusar os outros, sem nos darmos conta de que esses outros estão dentro de nós mesmos. Trata-se de uma defesa para afastar a aflição de nos sabermos responsáveis pelo que nos incomoda.
A boa tarefa para o nosso Eu é fazê-lo entender que não há outros e que aquele conjunto de forças internas representadas, metaforicamente, pelo demônio atiçador, ainda que pareça ter identidade própria, nada mais é do que nós mesmos. Logo, não somos vítimas coisa alguma.
A ideia para uma vida menos infantil é integrar nossas facetas, acolhê-las. Culpar os outros é como construir uma muralha de proteção imaginária, e ultrapassar isso é necessário, é como passar por um grande portal e adentrar um nível mais elevado de consciência assumindo os próprios atos no mundo.

Nenhum comentário:
Postar um comentário