domingo, 5 de março de 2023

 A CIRURGIA DA ALMA


        Já faz algum tempo que me coloco toda semana numa espécie de mesa de cirurgia para abrir meu coração. Meu propósito é deixar que dali saia tudo o que afeta o funcionamento saudável do meu ser em termos de emoções e sentimentos. O processo todo é voluntário de minha parte, dura em torno de uma hora, sem anestesia, com algum sangramento interno e até lágrimas. Dói bastante mesmo, e algumas vezes necessito de repouso para deixar que a intervenção possa promover o seu maior efeito possível. 

        Com essa metáfora acabo de descrever meu processo de análise no divã, parecido com um procedimento cirúrgico, especialmente o cardíaco. A equipe técnica é um pouco diferente, pois compõe-se de apenas uma pessoa: a analista, mas a base da minha relação com ela repousa sobre uma profunda confiança, assim como a que me faria entregar meu coração a um cirurgião renomado. Semanalmente, deixo-me guiar pela sua habilidade e sensibilidade para que eu possa atenuar minhas feridas internas.

        Nessa cirurgia da alma a instrumentação não é feita por bisturis, tesouras e pinças como no campo do corpo físico, mas pela palavra, ferramenta bastante eficaz para chegar-se ao fundo do ser, ainda que ela reduza os acontecimentos ao campo verbal. Por meio da palavra põe-se para fora a dor sentida. É também muito útil quando escapa da boca sem que se queira, tipo uma mordida na língua, pois com isso se consegue conhecer outra possível doença oculta.

        O processo analítico, similarmente ao cirúrgico, envolve tipos específicos de cortes e suturas para reparo dos danos há tempos sofridos. Apesar de não parecer, é muito bom, porque limpa por dentro e motiva ao cuidado contra novos males, de sorte que o bem-estar almejado acaba ficando muito mais nas mãos do paciente do que do médico, e do analista. Novos hábitos e novos olhares para uma vida mais plena e saudável. 

        Portanto, para quem quer seguir a vida com um coração menos pesado, mais oxigenado, não há outra alternativa senão abri-lo com frequência para a retirada de caroços antigos, mágoas calcificadas, ferimentos consolidados. 

        Nenhuma superação vem fácil, de modo que deitar no divã e abrir o peito dói mesmo e envolve coragem, dado que a melhora, em geral, vem do reconhecimento da nossa própria responsabilidade pelo quadro do qual nos queixamos. Ainda assim, funciona como medicina para a alma. Seria mais fácil fechar os olhos, seguir na cegueira e fingir que está tudo bem. Eu, no entanto, prefiro ir tateando o escuro porque sei que mais à frente vou poder contar com um pouco mais de luz.

        

       

Fonte da imagem: https://brasilescola.uol.com.br/biografia/sigmund-freud.htm

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