domingo, 23 de abril de 2023

 COISAS GRANDES QUE SÃO PEQUENAS


        Como são grandes as coisas quando somos pequenos! 

        Quando eu era bem criancinha, nos dias em que eu ficava na casa de meus avós maternos, lembro-me muito bem do caminhão do Seu Gumercindo, que passava na rua em dias certos da semana, oferecendo à vizinhança frutas, verduras e legumes. Era um veículo verde escuro, com um degrau perto do pneu, por onde eu tinha de subir para ver tudo o que havia ali naquela caçamba gigantesca. Minha avó sempre comprava alguma coisa, de forma que registrei para sempre em minha memória afetiva essa lembrança.

        De acordo com a minha percepção, o caminhão do Seu Gumercindo era enorme e largo a ponto de ocupar toda a rua quando parava em frente às casas para as pessoas fazerem suas compras. O interessante é que, há poucos dias, vi um desses caminhões trafegando na rua, perto de onde eu moro, uma relíquia pouco vista nos dias de hoje. Coincidentemente, era verde escuro também, igualzinho ao do Seu Gumercindo, porém, não era nem enorme nem tão largo como eu o havia registrado internamente. Era apenas um caminhãozinho pequeno, com um espaçozinho atrás para amontoar coisas, bem menor do que outros tantos que vemos por aí todos os dias.

        É certo que isso me fez pensar que quando somos crianças, tudo parece bem maior do que realmente é. Aumentamos o tamanho de tudo, dos lugares, das coisas e das pessoas que nos cercam, muito provavelmente, devido às nossas pequenas dimensões, tanto físicas quanto perceptivas. Por certo, nossa casa devia ser bem menor do que a que conservamos na memória, assim como também nossos pais já foram gigantes, tanto de tamanho quanto de influência. 

        Comecei então a lembrar de outras grandes coisas daquela época, como de um trator amarelo que também passava em frente à casa dos meus avós, na ocasião em que a rua estava sendo asfaltada. Era muito assustador e barulhento, o que me fazia correr para dentro sempre que eu avistava aquele monstro, prestes a me capturar. 

        O apito da fábrica de malas que ficava ali nas redondezas era outra coisa que me amedrontava muito. Brincando no quintal, eu costumava correr ao encontro de minha avó, pedindo proteção contra aquele ruído vindo, repentinamente, de não sei onde. Lembro-me até hoje de quando ela me explicou que se tratava apenas do sinal sonoro para os funcionários da fábrica usufruírem de seus intervalos de trabalho. Aliás, o gramado dos fundos da casa de meus avós, onde eu passei boa parte da minha infância, também me parecia muito grande, contudo, não passava de um terreno modesto em termos de largura e profundidade.

        Fiquei pensando que, se quando somos pequenos tudo nos parece grande e assustador, talvez o que hoje nos pareça grande e assustador possa ser, da mesma forma, o mero efeito de sermos pequenos, em algum grau, naquilo em que ainda não crescemos. Pequenos, por exemplo, em nossa capacidade de tolerar dores e daí, logicamente, elas nos ameaçarão mais do que o fariam se tivéssemos maior repertório emocional para acolhê-las. Numa dessa, nossos fantasmas também sequer existissem, caso fôssemos um pouco mais crescidos no que diz respeito à coragem para enfrentá-los.

        Os campeões em tamanho dentro de nós, isto é, os nossos medos, muito possivelmente não existiriam caso tivéssemos maior compreensão para diferenciar a realidade externa daquela que conservamos no interior de nossas cabeças imaturas e iludidas. Portanto, nem tudo o que nos pareceu ou ainda parece grande o seja de verdade, e de posse dessa constatação, quem sabe até possamos adotar uma posição melhor frente a tudo o que nos atormenta.

        Se a vida, o mundo, as pessoas são o que são, podemos concluir que nós é que os superdimensionamos, dando-lhes maior importância do que a necessária, atribuindo-lhes maior valor do que o que lhes é devido, potencializando os seus efeitos e, consequentemente, também sofrendo mais do que o inevitável. 

        Calibrar nossas balanças e fitas métricas internas, decerto pode nos servir para aquilatarmos nossa própria grandeza e força perante coisas pequenas, dignas somente de nossa lembrança.

quarta-feira, 5 de abril de 2023

 SOBE E DESCE

        Por um bom tempo eu me ressenti com as minhas gangorras emocionais. Era bem difícil, talvez trágico para mim, estar muito bem e feliz em um dia e encolher-me de tristeza no outro por causa de um desconhecido sentimento de falta de algo inominável. As palavras, de maneira pobre e limitada, indicavam tratar-se de um sobe e desce, de um vai e vem, como se eu tivesse um motor dentro de mim girando e me deixando tonta.

        Em vários momentos, para minimizar esse desconforto, romantizei-o, pintei-o com cores poéticas descrevendo-me como a pessoa intensa que, genuinamente, ou como diva estereotipada de cinema, conseguia ir do céu ao inferno em segundos e transitar pelos extremos da paleta dos sentimentos. Isso me fazia sofrer..

        Minha perspectiva hoje já é outra, graças à luta que eu me propus a travar para desbravar o desconhecido que habita em mim. Por causa disso, o que um dia fez eu me sentir acorrentada no script da insana bipolar hoje serve para me libertar, pelo só fato de que reconheci minha natureza dual, porque sou ao mesmo tempo a calmaria da maré baixa e o maremoto que tudo arrasa. Acolhi essa oscilação de humores como própria de minha pessoa, conseguindo localizar meu equilíbrio dentro dessa dança maluca.

        Assim, se num dia vivenciei o cume erótico de um encontro com alguém, tudo bem que no outro dia eu só queria ficar quieta no meu canto. Se em outro dia eu queria gritar aos quatro ventos 'eu te amo' tudo bem também se no dia seguinte eu só queria me mandar sozinha para um local distante. Já não me cabe mais a pergunta 'por que isso acontece comigo?' Aceitei meus opostos, transo com eles, sou eles.

        Foi uma aceitação que mandou para longe a necessidade de autenticar minhas decisões com base em opiniões alheias. Nem o espelho me barra mais para sair de casa, pois se não estou lá em dia com minha aparência, segundo meu próprio julgamento, que se dane, pois minha paz interior vale mais do que um eventual elogio externo.

        Meus modelos vem ruindo dia a dia, como construções em areia de praia destruídas pela onda que as alcança. Entrei, definitivamente, por uma trilha de descobertas, por um mundo em que as satisfações constantes não passam de mera ilusão. Não há mais volta nesse caminho.

        O mundo é isso mesmo, o ser é isso mesmo, funcionam em sistema de opostos, binários, antagonismos. O segredo é equilibrar-se, adaptar-se, entregar-se. A gente constrói padrões na mente e tenta segui-los, por isso é que ficamos endurecidos. A velha mania de querer que tudo seja sempre do jeito que planejamos. Pura imaginação. Deixei estar, deixei ser. Estou feliz assim.