COISAS GRANDES QUE SÃO PEQUENAS
Como são grandes as coisas quando somos pequenos!
Quando eu era bem criancinha, nos dias em que eu ficava na casa de meus avós maternos, lembro-me muito bem do caminhão do Seu Gumercindo, que passava na rua em dias certos da semana, oferecendo à vizinhança frutas, verduras e legumes. Era um veículo verde escuro, com um degrau perto do pneu, por onde eu tinha de subir para ver tudo o que havia ali naquela caçamba gigantesca. Minha avó sempre comprava alguma coisa, de forma que registrei para sempre em minha memória afetiva essa lembrança.
De acordo com a minha percepção, o caminhão do Seu Gumercindo era enorme e largo a ponto de ocupar toda a rua quando parava em frente às casas para as pessoas fazerem suas compras. O interessante é que, há poucos dias, vi um desses caminhões trafegando na rua, perto de onde eu moro, uma relíquia pouco vista nos dias de hoje. Coincidentemente, era verde escuro também, igualzinho ao do Seu Gumercindo, porém, não era nem enorme nem tão largo como eu o havia registrado internamente. Era apenas um caminhãozinho pequeno, com um espaçozinho atrás para amontoar coisas, bem menor do que outros tantos que vemos por aí todos os dias.
É certo que isso me fez pensar que quando somos crianças, tudo parece bem maior do que realmente é. Aumentamos o tamanho de tudo, dos lugares, das coisas e das pessoas que nos cercam, muito provavelmente, devido às nossas pequenas dimensões, tanto físicas quanto perceptivas. Por certo, nossa casa devia ser bem menor do que a que conservamos na memória, assim como também nossos pais já foram gigantes, tanto de tamanho quanto de influência.
Comecei então a lembrar de outras grandes coisas daquela época, como de um trator amarelo que também passava em frente à casa dos meus avós, na ocasião em que a rua estava sendo asfaltada. Era muito assustador e barulhento, o que me fazia correr para dentro sempre que eu avistava aquele monstro, prestes a me capturar.
O apito da fábrica de malas que ficava ali nas redondezas era outra coisa que me amedrontava muito. Brincando no quintal, eu costumava correr ao encontro de minha avó, pedindo proteção contra aquele ruído vindo, repentinamente, de não sei onde. Lembro-me até hoje de quando ela me explicou que se tratava apenas do sinal sonoro para os funcionários da fábrica usufruírem de seus intervalos de trabalho. Aliás, o gramado dos fundos da casa de meus avós, onde eu passei boa parte da minha infância, também me parecia muito grande, contudo, não passava de um terreno modesto em termos de largura e profundidade.
Fiquei pensando que, se quando somos pequenos tudo nos parece grande e assustador, talvez o que hoje nos pareça grande e assustador possa ser, da mesma forma, o mero efeito de sermos pequenos, em algum grau, naquilo em que ainda não crescemos. Pequenos, por exemplo, em nossa capacidade de tolerar dores e daí, logicamente, elas nos ameaçarão mais do que o fariam se tivéssemos maior repertório emocional para acolhê-las. Numa dessa, nossos fantasmas também sequer existissem, caso fôssemos um pouco mais crescidos no que diz respeito à coragem para enfrentá-los.
Os campeões em tamanho dentro de nós, isto é, os nossos medos, muito possivelmente não existiriam caso tivéssemos maior compreensão para diferenciar a realidade externa daquela que conservamos no interior de nossas cabeças imaturas e iludidas. Portanto, nem tudo o que nos pareceu ou ainda parece grande o seja de verdade, e de posse dessa constatação, quem sabe até possamos adotar uma posição melhor frente a tudo o que nos atormenta.
Se a vida, o mundo, as pessoas são o que são, podemos concluir que nós é que os superdimensionamos, dando-lhes maior importância do que a necessária, atribuindo-lhes maior valor do que o que lhes é devido, potencializando os seus efeitos e, consequentemente, também sofrendo mais do que o inevitável.
Calibrar nossas balanças e fitas métricas internas, decerto pode nos servir para aquilatarmos nossa própria grandeza e força perante coisas pequenas, dignas somente de nossa lembrança.

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