sábado, 1 de junho de 2024

   

LOCALIZAR-SE 

            Uma expressão que sempre aparece nas minhas sessões de terapia é o 'localizar', mais especificamente, em sua modalidade reflexiva, isto é, 'localizar-se'. O dicionário revela-a como um verbo transitivo direto cujo significado é o ato de encontrar o lugar onde está algo ou alguém. A partícula 'se', em sua função gramatical, serve para restringir o sentido à pessoa a quem ela está referida.

            Como se vê, é simples a apreensão do sentido usual do termo, ainda que se possa esticá-lo para que outros sentidos surjam, como quando sua aplicação é usada no território da subjetividade humana, pois ninguém duvida que, com alguma frequência, nos perdemos sem sair do lugar. O localizar-se, então, vem como solução contra esta sensação de descaminho interior.

           O fato é que a palavra em questão, no contexto da busca de si, indica a necessidade de conhecer nosso lugar subjetivo em relação às pessoas em geral, bem como em relação aos fatos e às histórias que vivemos. E é o discurso de cada qual que denuncia sua posição, por exemplo, como a de vítima injustiçada, alvo de ataques por parte de tudo e de todos, assim como a de infeliz descontente da vida, a de infantil que teme responsabilidade, a de amedrontada, a de otimista, a de soberba, a de inferior, a de superior etc. A cada uma das infinitas posições subjetivas que as pessoas ocupam no mundo corresponde um efeito em suas vidas, assim como também mostra como é a luta pessoal em prol da sua sobrevivência emocional.

            Querer saber disso é rumar para fora da penumbra da inconsciência para reconhecer o posicionamento subjetivo ocupado e, consequentemente, avançar no autoconhecimento, abrindo-se para a possibilidade de um remanejamento interior. Quem não sabe da sua posição no mundo está perdido e acaba como vítima da própria escuridão, que é também o ambiente master para o aparecimento de fantasmas interiores, assim como é o caldo perfeito para a proliferação de medos.

            Guardadas as devidas proporções e contextos, o cinema adora lançar filmes de terror em que a personagem principal, perdida num lugar desconhecido, geralmente de noite, busca refúgio numa cabana no meio da floresta. Anda a passos lentos e cheios de medo para conhecer aos poucos o espaço que a cerca, para, justamente, localizar-se. Tateia paredes para se familiarizar com os cômodos e, devagar, vai abrindo portas, tropeça em degraus não visíveis por causa da ausência da luz e todo este cenário é montado para a fantasia correr solta e eis que o monstro aparece, aproveitando-se das circunstâncias.

            Tudo isso é para dizer também que encontrar nossa posição subjetiva perante a vida é como tatear paredes para saber onde estamos, abrir as cortinas da janela e deparar-se com uma nova luz, ver um enquadramento novo para as coisas, ampliar a visão e descobrir, enfim, que o que nos assombrava antes não passa de um fruto da imaginação, ainda que real até certo momento. Mas esta tarefa não pode ser considerada simples nem imediata como um estalar de dedos, precisando de tempo de elaboração, às vezes anos até. Localizar-se é encontrar um lugar melhor dentro de si próprio, onde se possa reconhecer as coisas e as pessoas por outro ângulo, e constatar que aquilo que antes fazia doer já não existe mais, já se foi.

            Localizar-se é enxergar-se, é conhecer o lugar onde habita a nossa subjetividade, é conseguir promover retificações internas, é o mesmo que se encontrar dentro da bagunça que nossas mentes produzem e ganhar a dissolução de muitos dos nossos fantasmas. Localizar-se é saber que o 'onde eu estou' é tão importante quanto o 'que eu sou'.

             

            

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