VIVENDO
E PONTUANDO
Desde
os meus primeiros tempos de escola sempre fui muito boa em Língua Portuguesa e
talvez por isso é que meu ouvido costuma estalar sempre que ouço uma agressão
ao nosso vernáculo. Também acho que é por isso que, mais do que falar e escrever
corretamente, gosto de brincar com a linguagem, o que faço dando passagem às minhas ideias. Pois então, se viver é uma arte, penso que usar bem a pontuação nessa experiência pode
ser muito útil para os rumos que tomamos. Vamos lá, então, fazer um jogo de
paralelos entre o viver e o pontuar:
Começando
pelas vírgulas, como são importantes
estes sinais! Parece que, como pedrinhas, colocam-se no chão, bem na nossa
frente, nos forçando a caminhar mais devagar e pensar no próximo passo ou na
próxima palavra a dizer. Elas impõem uma pausa para o respiro, no sentido literal e metafórico
mesmo. É graças às vírgulas que ganhamos um tempinho pra repensar e mudar de
ideia quanto à continuidade do nosso discurso, assim evitando que venha
pra fora aquele pensamento prestes a irromper boca afora com potencial de causar estragos irreversíveis. É com a ajuda das vírgulas que podemos
dominar um pouco nossa ansiedade e assim nos fazer coerentes. Poderia dizer então que vírgulas e impulsividade tenham tudo a ver.
Aparentado
delas, tem o combo ponto e vírgula, essa
duplinha que indica uma pausa um pouco mais longa nos nossos dias. Mais do que
um respiro, o ponto e vírgula indica a necessidade de um fôlego, um “break” maior
do que a vírgula e menor do que o ponto final, uma espécie de parada no trajeto
pra dar aquela esticada nas pernas antes de seguir viagem; é bem o caso daquelas
situações em que a gente precisa de um intervalo maior
pra repensar ou recarregar as energias, sem lançar mão do ponto final, mais
drástico e definitivo. Daí a gente continua na mesma rota, só que prestando
mais atenção. Ninguém, na realidade, consegue viver intensamente sem pausas mais
demoradas pra oxigenar relações já consolidadas ou rever hábitos cristalizados
e pensamentos automáticos, reformular pactos ou até entabular novos e melhores
planos de vida.
Os pontos de
exclamação também têm sua importância. São eles os representantes da nossa capacidade
de nos surpreender com o belo, o sensível, a surpresa, o suspiro, o prazer. Eles estão nos nossos queixos caídos frente a injustiças, perversidades,
intolerâncias. Porém, precisam ser bem utilizados para que não sejam manejados
como indicadores de avaliações superficiais. Basta! O mundo já está cheio de
olhares e outros gestos julgadores, de modo que não precisamos abrir mais uma
via de acesso a repreensões rasas e impensadas. Usemos os pontos de exclamação para
elevação da beleza que há em todos os lugares.
E
pra quem pensa que pontos de
interrogação são inúteis vai aí uma avaliação pretensiosa: eles são a
própria dúvida pairando em nosso linguajar. Já até ouvi que o que move o mundo são
as perguntas e não as respostas. De fato, o que faz a roda girar não é o “status
quo” e sim os porquês tão positivamente enxeridos. Tenho lá minhas dúvidas
quanto a quem vive imerso em certezas. Provavelmente, está morto em vida. A
própria ciência avançou muito a partir da dúvida a ponto de dar base ao paradigma
ocidental de pensamento com as interrogações nos recônditos do cérebro do
filósofo Descartes. Perguntar e questionar levam a novas descobertas.
Tem
também o travessão, que serve pra
indicar a fala de alguém em um diálogo. Como é importante dialogar, expor o
pensamento, mostrar a opinião que se tem sobre o que quer que seja. Como é bom
ser ouvido em qualquer contexto ou circunstância. Eu vejo o travessão como o dedo
levantado indicando passagem à ideia, ali quietinha, só esperando o momento
certo pra aparecer no discurso. O travessão é – ou deveria ser – o silêncio a
todos imposto para aquele que pede a palavra. É o puro símbolo do respeito e
até da coragem de dizer o que se pensa.
E
que tal os dois pontos? Estes são como os demonstradores que trazem numa bandeja a prova dos fatos. São como um portão que
se abre para mostrar o que acabou de ser mencionado. Eles são o “quer ver só?” ou o “tá sentado?”
ou qualquer outra expressão que anuncie uma explicação complementar que vem depois do discurso
recém-feito. Os dois pontos podem, igualmente, indicar a iminência de uma
tentativa de convencimento do interlocutor a respeito de algo e é por isso que devem
ser usados com responsabilidade. São, pra mim, como um aviso de que algo de
impacto será dito, talvez até um “quer mesmo saber?”. Recomendo, pois, o uso dos dois pontos somente quando houver muita certeza quanto ao conteúdo do que será dito, pois tem coisas que não tem como consertar, como as palavras lançadas.
E as
aspas? Muito apropriadas na linguagem
e na convivência. Elas nos resguardam da autoria de uma besteira, pois indicam
que estamos apenas reproduzindo o que alguém falou antes. Ao mesmo tempo são o puro
respeito às ideias dos outros. As aspas são aquelas duas asinhas no início e no
fim da frase que não nos compromete quanto ao conteúdo do que dizemos. São elas também que nos impõem o respeito aos insights
alheios e mostram como é elegante dar o crédito de uma boa ideia ao seu verdadeiro
dono. Algumas vezes são usadas para indicar a existência de ironia no falatório, algo que fica
bem claro quando mexemos os dedinhos ao mesmo tempo em que falamos e aí cumprem
uma função de dito pelo não dito. Desse modo, as aspas, pra mim, parecem dois anjinhos colocando em bolhas o que sai de nossas bocas.
Quase ia esquecendo das reticências, aqueles três pontinhos em fila indiana que servem para sugerir uma ideia sem dizê-la de modo expresso, mas embutindo-a na frase e tornando-a subentendida. As reticências ocupam o lugar de um não dito e é bem por isso que, às vezes, são empregadas com a má intenção de aplicar venenos. Sim, há quem se esconda por detrás de insinuações, mas nesse caso acaba se revelando um covarde sem peito pra completar seu pensamento. Acho bem melhor usar as três simpáticas bolinhas como convite para dar um sentido positivo a interpretações. Pra que plantar discórdias né? Mas se detectarmos tais maldades não fiquemos chateados, afinal, enquanto a caravana passa...
E
pra finalizar, óbvio, tem o ponto final,
indispensável em nossas vidas. Acho até que merecia um texto único em sua homenagem.
O ponto final é “a” pontuação por excelência. É com o uso dele que impedimos a
continuidade do ruim e permitimos a chegada do novo. Sem o ponto final, dores
se perpetuam sem necessidade. O ponto final é o representante maior da atitude,
da decisão num formatinho pequeno, mas com poder gigantesco. Engraçada a insignificância desse símbolo, um mero pontinho quase
imperceptível no final da frase e aí me pego pensando que a questão mais
importante talvez seja mesmo a sua função relacionada à aceitação de um fim, quem
sabe mais fácil do que possa parecer.