terça-feira, 1 de junho de 2021

 


VIVENDO E PONTUANDO


        Desde os meus primeiros tempos de escola sempre fui muito boa em Língua Portuguesa e talvez por isso é que meu ouvido costuma estalar sempre que ouço uma agressão ao nosso vernáculo. Também acho que é por isso que, mais do que falar e escrever corretamente, gosto de brincar com a linguagem, o que faço dando passagem às minhas ideias. Pois então, se viver é uma arte, penso que usar bem a pontuação nessa experiência pode ser muito útil para os rumos que tomamos. Vamos lá, então, fazer um jogo de paralelos entre o viver e o pontuar:

        Começando pelas vírgulas, como são importantes estes sinais! Parece que, como pedrinhas, colocam-se no chão, bem na nossa frente, nos forçando a caminhar mais devagar e pensar no próximo passo ou na próxima palavra a dizer. Elas impõem uma pausa para o respiro, no sentido literal e metafórico mesmo. É graças às vírgulas que ganhamos um tempinho pra repensar e mudar de ideia quanto à continuidade do nosso discurso, assim evitando que venha pra fora aquele pensamento prestes a irromper boca afora com potencial de causar estragos irreversíveis. É com a ajuda das vírgulas que podemos dominar um pouco nossa ansiedade e assim nos fazer coerentes. Poderia dizer então que vírgulas e impulsividade tenham tudo a ver.

        Aparentado delas, tem o combo ponto e vírgula, essa duplinha que indica uma pausa um pouco mais longa nos nossos dias. Mais do que um respiro, o ponto e vírgula indica a necessidade de um fôlego, um “break” maior do que a vírgula e menor do que o ponto final, uma espécie de parada no trajeto pra dar aquela esticada nas pernas antes de seguir viagem; é bem o caso daquelas situações em que a gente precisa de um intervalo maior pra repensar ou recarregar as energias, sem lançar mão do ponto final, mais drástico e definitivo. Daí a gente continua na mesma rota, só que prestando mais atenção. Ninguém, na realidade, consegue viver intensamente sem pausas mais demoradas pra oxigenar relações já consolidadas ou rever hábitos cristalizados e pensamentos automáticos, reformular pactos ou até entabular novos e melhores planos de vida.

         Os pontos de exclamação também têm sua importância. São eles os representantes da nossa capacidade de nos surpreender com o belo, o sensível, a surpresa, o suspiro, o prazer. Eles estão nos nossos queixos caídos frente a injustiças, perversidades, intolerâncias. Porém, precisam ser bem utilizados para que não sejam manejados como indicadores de avaliações superficiais. Basta! O mundo já está cheio de olhares e outros gestos julgadores, de modo que não precisamos abrir mais uma via de acesso a repreensões rasas e impensadas. Usemos os pontos de exclamação para elevação da beleza que há em todos os lugares.

E pra quem pensa que pontos de interrogação são inúteis vai aí uma avaliação pretensiosa: eles são a própria dúvida pairando em nosso linguajar. Já até ouvi que o que move o mundo são as perguntas e não as respostas. De fato, o que faz a roda girar não é o “status quo” e sim os porquês tão positivamente enxeridos. Tenho lá minhas dúvidas quanto a quem vive imerso em certezas. Provavelmente, está morto em vida. A própria ciência avançou muito a partir da dúvida a ponto de dar base ao paradigma ocidental de pensamento com as interrogações nos recônditos do cérebro do filósofo Descartes. Perguntar e questionar levam a novas descobertas.

   Tem também o travessão, que serve pra indicar a fala de alguém em um diálogo. Como é importante dialogar, expor o pensamento, mostrar a opinião que se tem sobre o que quer que seja. Como é bom ser ouvido em qualquer contexto ou circunstância. Eu vejo o travessão como o dedo levantado indicando passagem à ideia, ali quietinha, só esperando o momento certo pra aparecer no discurso. O travessão é – ou deveria ser – o silêncio a todos imposto para aquele que pede a palavra. É o puro símbolo do respeito e até da coragem de dizer o que se pensa.

E que tal os dois pontos? Estes são como os demonstradores que trazem numa bandeja a prova dos fatos. São como um portão que se abre para mostrar o que acabou de ser mencionado. Eles são o “quer ver só?” ou o “tá sentado?” ou qualquer outra expressão que anuncie uma explicação complementar que vem depois do discurso recém-feito. Os dois pontos podem, igualmente, indicar a iminência de uma tentativa de convencimento do interlocutor a respeito de algo e é por isso que devem ser usados com responsabilidade. São, pra mim, como um aviso de que algo de impacto será dito, talvez até um “quer mesmo saber?”. Recomendo, pois, o uso dos dois pontos somente quando houver muita certeza quanto ao conteúdo do que será dito, pois tem coisas que não tem como  consertar, como as palavras lançadas.

   E as aspas? Muito apropriadas na linguagem e na convivência. Elas nos resguardam da autoria de uma besteira, pois indicam que estamos apenas reproduzindo o que alguém falou antes. Ao mesmo tempo são o puro respeito às ideias dos outros. As aspas são aquelas duas asinhas no início e no fim da frase que não nos compromete quanto ao conteúdo do que dizemos. São elas também que nos impõem o respeito aos insights alheios e mostram como é elegante dar o crédito de uma boa ideia ao seu verdadeiro dono. Algumas vezes são usadas para indicar a existência de ironia no falatório, algo que fica bem claro quando mexemos os dedinhos ao mesmo tempo em que falamos e aí cumprem uma função de dito pelo não dito. Desse modo, as aspas, pra mim, parecem dois anjinhos colocando em bolhas o que sai de nossas bocas.

Quase ia esquecendo das reticências, aqueles três pontinhos em fila indiana que servem para sugerir uma ideia sem dizê-la de modo expresso, mas embutindo-a na frase e tornando-a subentendida. As reticências ocupam o lugar de um não dito e é bem por isso que, às vezes, são empregadas com a má intenção de aplicar venenos. Sim, há quem se esconda por detrás de insinuações, mas nesse caso acaba se revelando um covarde sem peito pra completar seu pensamento. Acho bem melhor usar as três simpáticas bolinhas como convite para dar um sentido positivo a interpretações. Pra que plantar discórdias né? Mas se detectarmos tais maldades não fiquemos chateados, afinal, enquanto a caravana passa...

E pra finalizar, óbvio, tem o ponto final, indispensável em nossas vidas. Acho até que merecia um texto único em sua homenagem. O ponto final é “a” pontuação por excelência. É com o uso dele que impedimos a continuidade do ruim e permitimos a chegada do novo. Sem o ponto final, dores se perpetuam sem necessidade. O ponto final é o representante maior da atitude, da decisão num formatinho pequeno, mas com poder gigantesco. Engraçada a insignificância desse símbolo, um mero pontinho quase imperceptível no final da frase e aí me pego pensando que a questão mais importante talvez seja mesmo a sua função relacionada à aceitação de um fim, quem sabe mais fácil do que possa parecer.

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