MÃE TAMBÉM MENTE
Desde que minhas duas filhas nasceram, há vinte e um e dezoito anos, tornei-me uma mentirosa, mestre das artimanhas para conseguir fazer o melhor por elas.
Minhas primeiras mentiras aconteceram quando eu lhes dava comidas saudáveis, com caras e bocas de prazer para simular e convencê-las de que eu adorava o seu gosto. Ah, como eu encenei neste meu teatro particular! Por dentro, eu me sentia torcendo o nariz, fazendo a maior careta por não conseguir nem sentir o cheiro. A estratégia colava, e hoje elas comem de tudo. Muita novidade alimentar foi apresentada a elas por meio desta enganação.
Já maiorzinhas, sentando-se à mesa para o almoço, perguntavam-me porque o arroz era vermelho, alaranjado e até verde em algumas vezes. Eu, mais do que rápida, inventava nomes, dizendo-lhes que era o "arroz primavera" da cor das flores ou o "arroz carnaval" da cor das fantasias ou ainda o "arroz mágico", da cor das florestas. Mentira. Pura invenção minha para incorporar à mesa legumes e verduras nutritivas. Eram a beterraba, a cenoura e a couve disfarçadas junto à água do cozimento.
Com as frutas eu me especializei na arte da falsidade. Oferecia-lhes sempre novas opções dizendo que era aquela que já haviam experimentado antes e que só não estavam lembrando. Ficava naquela argumentação de que já 'tinham comido na casa da vovó no mês passado'. Mentira de novo. Nunca haviam comido, mas eu tinha que dissimular, pois criança sempre reluta um pouco em conhecer novos sabores.
E com o passar do tempo, minhas enganações foram ficando melhores. Frente a alguma teimosia que eu não dava conta, eu lhes dizia que teriam que se haver com o pai. Minha ideia era enaltecer sua autoridade, obviamente, sem esquecer da afetividade envolvida no processo. Outra mentira, pois o pai era mais banana que eu. Se duvidar, até dava risada da minha tentativa em torná-lo brabo. Eu só queria fortalecer a imagem dele e ensinar limites e comportamentos benéficos para elas.
Nas consultas ao dentista era a mesma coisa. Eu sempre dizia que não sentiriam nenhum desconforto nos procedimentos, apostando sempre no esquecimento posterior delas. Era eu de novo querendo passar-lhes tranquilidade e convencê-las de que era bom e divertido sentar naquela cadeira infame, com filminhos e lembrancinhas ao final. E tantas outras mentiras eu contei, como nas épocas das vacinas ou nas vezes em que eu disse não estar com vontade de comer aquele único bombom achado no armário, só para cedê-lo a elas. Menti mesmo e não me arrependo um único segundo das minhas falácias destinadas, unicamente, ao bem-estar das minhas pequenas. O único artifício que eu tinha, muitas vezes, eram tais mentirinhas inocentes, sempre tomando muito cuidado no que eu dizia e tendo a certeza de que me entenderiam no futuro.
Cheguei ao ponto de chorar longe delas, para que não ficassem infelizes e porque eu queria retardar ao máximo a chegada das angústias da vida. Porém, elas cresceram, tornaram-se sensíveis, espertas, perspicazes, conhecendo-me a fundo, sabendo detectar quando o meu olhar está cinza ou quando uso um meio sorriso para disfarçar a tristeza. Aprenderam a saber até o que estou pensando em certos momentos. Foi a partir daí que não pude mais sustentar minhas fraudes. Não seguiriam acreditando em mim e eu só perderia a confiança delas ou criaria uma distância difícil de encurtar mais tarde, caso eu ficasse neste esquema de mentiras sinceras e bem intencionadas. Ficaram para trás aquelas velhas historinhas inventadas. Agora são as conversas adultas que tomaram este lugar, daquelas em que a verdade não escapa mais e onde nada fica por dizer.
A maior de todas as verdades foi surgindo a partir de minha própria humanidade e quando passei a mostrar-lhes o meu lugar de mulher comum, com defeitos, medos, inquietações, desejos, dores, fantasmas, inseguranças e um histórico de erros na vida. Ao revelá-las quem eu realmente sou, descobri um novo lugar em seus corações e fui deixando de querer ser a mãe superpoderosa que tudo consegue para me transformar numa mulher real, que também pode impressionar simplesmente por exercitar sua essência.
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