domingo, 20 de novembro de 2022

 EM BUSCA DE UMA DECEPÇÃO 


        Vivemos em busca da felicidade, aliás, um tema para lá de comum em poesias, em músicas, em filmes e nas artes, em geral. É difícil saber o que nos move em direção a essa tão sublime sensação, mas, seja por causa de um instinto, de um hormônio qualquer produzido pela hipófise ou da força do astros, a verdade é que existe alguma força que impulsiona o ser humano para isso. Sigmund Freud explicou, há mais de um século, que o psiquismo humano é naturalmente regido pelo princípio do prazer e pela evitação do desprazer, o que parece um tanto óbvio. Só que não é tão simples assim. 

        Não, porque em muitos casos as pessoas, mesmo paralisadas em uma situação de sofrimento, estão mergulhadas numa espécie de prazer. E aí, como explicar essa coisa de gostar de sentir dor ? Outro nome para isso é 'gozo', dado pelo também gigante entendedor de cabeças, o francês Jacques Lacan. Significa que, muitas vezes, algumas pessoas só aparentam sofrer, pois, no fundo, estão usufruindo de um prazer sem que o saibam. Permanecer na zona de conforto é isso, desfrutar de um prazer inconsciente, ainda que mórbido. Neste caso, não desejam sair desse lugar que lhes proporciona algum ganho e é por isso que sempre invocam uma desculpa qualquer como condição para mexer uma peça no seu jogo da vida.

        Assim acontece porque bancar uma decisão é muito difícil mesmo, de modo que sofrer é mais fácil do que mudar. No mais das vezes, o medo do assustador desconhecido e do arrependimento ronda a cabeça e freia os movimentos. Decidir pelo que se quer, assumir uma mudança com coragem é algo que muitas pessoas não conseguem. Digo "muitas pessoas" para deixar bem claro que nada disso acontece conosco, que somos ultra esclarecidos e enxergamos tudo com muita clareza (imagine aqui um emoji tipo sábio estúpido).

        Pois bem. No final das contas dá até para dizer que os seres humanos almejam decepções para poder jogar nas costas de alguém, que não as suas, a responsabilidade pela mudança, porque sair da infelicidade por conta própria é mais ameaçador do que arriscar o novo. Em outros termos, é muito mais fácil dizer que o outro é que nos "forçou" a algo.

        Precisamos ser autênticos em relação às nossas vontades e ter coragem para sustentar nossas escolhas, saindo do lugarzinho confortável que nos mantém "vítimas" do parceiro, do chefe, do Estado, do destino.

        Agora, mano, se a tal decepção vier mesmo, o que até pode acontecer, aí tu não tem desculpa. Mude de vez a direção desse seu barco a velas e assuma com coragem que foi você quem tomou a decisão, sem empurrar a culpa no outro e sem também dar crédito ao destino, aos anjos, à mão de Deus ou à força da Lua, porque você pode.

terça-feira, 15 de novembro de 2022

 DECIDI PARAR DE TER MEDO


        Seria cômico dizer que não sentir medo está no campo das decisões racionais que tomamos, pois é fato que ninguém o entrouxa, voluntariamente, no fundinho da mente, assim como não deixa de senti-lo num estalar de dedos. Desde pequenos e até na vida adulta sentimos medos, para o que, muitas vezes, não temos explicação. Portanto, é mesmo engraçado afirmar que decidi parar de ter medo, como quem aperta um botãozinho e controla o painel das emoções. 

        Todavia, pensando bem, até acredito que caiba alguma medida de consciência nessa questão, o que começa pelo reconhecimento de que eles existem e isso já me parece uma atitude madura a tomar o lugar da cegueira.

        Só que é pouco, pois quero mais do que só saber que tenho medos. Quero parar de senti-los. Seria isso um luxo? Uma pretensão ambiciosa? Num primeiro momento, apesar de parecer que sim, afirmo que não. Claro que não estou falando daqueles medos úteis para afastar perigos e auxiliar na preservação da vida. Falo daqueles medos que atrapalham e por isso que não vejo como tão absurdo controlá-los.

        Certa vez alguém me deu uma dica de ouro nessa questão: convidar para um jantar todos os fantasmas que infernizam a cabeça, para um bate-papo sincero e com intenção de conciliação e apaziguamento. No meu caso imagino uma mesa cheia e com cadeiras faltando. Brincadeira à parte, o fato é que gostei da ideia, até porque já ouvi ou li em algum lugar que a melhor maneira de enfrentar medos é, justamente, enfrentando-os, não num sentido bélico, evidentemente, mas ao estilo de uma conversa franca. A partir deste enfrentamento imagino a bonanza surgindo no peito, uma espécie de trégua.

        Fácil não será, mas a tentativa é necessária e talvez a coisa toda precise se desenrolar em vários encontros. Identificar a origem dos medos é fundamental e parar de alimentá-los é outra medida importante. E conseguir isso vai ser como um clarão na mente.

        Contudo, é preciso que me restem ainda alguns medos, como os de não me alegrar todos os dias, de não amar, de não lacrimejar os olhos diante das emoções e belezas da vida, de não exercer o senso crítico e, especialmente, de apenas sobreviver quando seja possível a mim viver intensamente. Com isso quero me apavorar!


Fonte da imagem: https://www.entrepreneur.com/starting-a-business/how-to-start-a-side-hustle-manage-your-fear/366115

 O VIÉS DE CADA UM


    
    Interessante observar que cada um enxerga o mundo de acordo com uma lente específica construída a partir de suas experiências pessoais, assim como do momento pelo qual vem passando, o que se revela de várias formas, entre as quais, o comportamento, as escolhas, as palavras que profere. 
Presenciei dias atrás algo que explica um pouco o que quero manifestar. 

        Tratou-se de uma conversa descontraída entre quatro amigos ao redor de uma mesa com aperitivos, bebidas e risadas. Eram todas pessoas que eu conhecia em graus diferentes de proximidade. Num dado instante, uma delas, sem intenção de iniciar um debate profundo, recosta-se na cadeira enquanto faz giros com seu copo de whisky e gelo e, simplesmente, lança a afirmação de que pretende viver até os 107 anos de idade. De imediato, tomando de empréstimo aquele número, o outro da mesa diz, enquanto se delicia com um potinho de amendoim, que, em sua opinião, melhor mesmo é ter 107 amigos. 

        A terceira pessoa, então instigada pela brincadeira iniciada, colocando-se em postura mais ereta, talvez demonstrando que o assunto, ainda que leve, chamava para uma espécie de reflexão, dita que o melhor de tudo é ter 107 milhões na conta do banco. Finalmente, o último do grupinho, que até então só ouvia os demais enquanto estralava os dedos, fecha o ciclo dizendo que, sem dúvida, o paraíso seria ter 107 amantes.

        Sejam anos de vida, amigos, dinheiro ou amantes, é nítido que cada qual daquelas pessoas vem passando por um momento importante relacionado ao que acabavam de dizer. A primeira pessoa a falar, aquela que deseja viver até os 107 anos de idade, está de bem com a sua vida, com seu lado pessoal e profissional em pleno desenvolvimento e, certamente, quer prolongar a fase em que se encontra, pois, viver bastante com boas condições só poderia representar seu maior desejo no presente. A segunda pessoa, a que almeja ter 107 amigos, é, justamente, a que vem se sentindo um pouco só, devido ao recente divórcio e ao intercâmbio de seus filhos no exterior. Neste caso, ter muitos amigos representa a sua maior necessidade. 

        A essa altura, já é possível intuir que a terceira pessoa, a que deseja ter 107 milhões em conta, é aquela que vem há tempos matando um leão por dia para sanar suas dívidas e guardar uma soma de dinheiro para o futuro. Por certo não aguenta mais olhar os preços dos produtos no supermercado antes de colocá-lo no carrinho de compras. A quarta e última pessoa, e daí eu nem preciso esclarecer, é aquela que, por dedução óbvia, vem praguejando a instituição do casamento e desejando, ardentemente, a liberdade.

        Como se pode ver, não é por acaso que alguém deseja alguma coisa, pois, no mínimo, sua configuração atual de vida, assim como suas dificuldades recentes vêm servindo como referência para saber o que lhe move e qual vem a ser o seu desejo mais urgente.

        Em vista daquela conversa, muito similar à uma dinâmica de grupo, fiquei pensando o que eu elegeria como mais importante na minha hora de dizer 107 alguma coisa e, não tenho a menor dúvida, de que seriam lugares do mundo para visitar. Isso mesmo, meu desejo é visitar 107 lugares espetaculares neste planeta, dada minha fome constante de sair da mesmice, de me movimentar, de me desafiar.

        E você, pessoalmente falando, saberia identificar quais são as melhores 107 coisas para a sua vida?


         

terça-feira, 8 de novembro de 2022

 MODO ECONOMIA ATIVADO


        Sempre tive gosto pela argumentação e pelo debate sobre qualquer assunto. Entendo que o diálogo enriquece e promove o surgimento de novas ideias, posicionamentos e pontos de vista diferentes e enriquecedores. Acontece que cheguei num ponto em que precisei ativar meu dispositivo interno de economia de energia em uma situação muito específica, que é quando a absurdidade de uma declaração chega aos meus ouvidos, fazendo soar meu alarme.

        É certo que ninguém é dono da verdade e justamente por isso sempre entendi como saudável não me opor à dialética. Isso moldou por muito tempo o meu perfil de entrar em debates. Confesso até que muitas vezes fiz isso apenas para dar passagem a pérolas disparadas por aqueles que costumam se vestir de sapiência. No entanto, cansei. Frente à insensatez - eufemismo para substituir a palavra asneira - minha reação mudou, porque tenho simplesmente feito cara de paisagem, ao contrário de seguir pelo caminho da confrontação. A finalidade deste meu novo modo de operar socialmente é a de impedir que minha energia seja escoada inutilmente. 

        Descobri há pouco tempo que esta é a Lei de Brandolini, ou princípio de assimetria da estupidez, segundo a qual o esforço necessário para desfazer uma desinformação é maior do que a facilidade para criá-la. Ou seja, precisa-se recrutar mais força mental para refutar uma idiotice do que para produzi-la. Além do mais, é infrutífero argumentar com quem fala idiotices, pois estas continuarão a produzir efeitos mesmo após uma boa explicação em sentido contrário. É por isso que o silenciamento como economia de energia vem ditando meu modo de ser frente a ideias manifestamente falsas, levianas ou, simplesmente, imbecis. As fakenews estão aí para confirmar que a sua correção dá muito mais trabalho do que o seu disparo inconsequente. 

        Sem dúvida o direito de opinar é pleno e há de ser respeitado. Mas não é a isso que eu me refiro. Trata-se de eu me reservar o direito de não me cansar tentando mudar quem, sob o meu olhar, vive à sombra do mundo e, deixando a inteligência ou a boa-fé de lado, insiste em coisas sem a menor possibilidade de algum crédito ou validade.

        Lamento muito quando grandes besteiras são disseminadas nos mais diversos contextos e, em especial, nos meios de comunicação e nas redes sociais, caldeirões ricos para a sua proliferação. São ruins porque induzem todos ao erro, assim como ocultam intenções sensacionalistas, alarmistas e conspiratórias, enfraquecendo os esforços genuínos na busca da verdade e explorando a credulidade alheia sem um pingo de compaixão ou responsabilidade. Meu silêncio em tais casos não significa uma derrota no campo da argumentação, mas uma estratégia que visa a neutralizar muitas coisas que vejo dito e escrito por aí.


Fonte da imagem: https://twitter.com/josuenunes/status/1589628735925682179/photo/1