CINCO TAMBÉM É BOM
Há nove anos, quando estive em Veneza pela primeira vez, comprei seis lindos copinhos de cristal murano, delicadamente lapidados e coloridos, para tomar licor. Pareciam pequenos pedaços de vitrais daquelas igrejas antigas. Destinei-os desde então apenas para ocasiões muito especiais e para pessoas igualmente especiais. Sempre após o seu uso, nunca deixava que alguém os lavasse em meu lugar. Cheguei várias vezes a guardá-los sujos para que, de noite, quando as visitas já tivessem ido embora, eu os lavasse e enxugasse sozinha e com todo o cuidado.
Mas eis que num dia, minha funcionária, sem saber do meu amor por aquelas coisinhas inanimadas tão importantes para mim, e sem minha autorização, achou por bem lavar todos os cristais guardados nas cinco prateleiras do armário, dentre os quais, as minhas pequenas obras de arte. Porém, infelizmente, aconteceu aquilo que eu sempre temia e tentava evitar: ela conseguiu a impressionante proeza de quebrar um deles.
Engolir seco é o mínimo que eu posso dizer para descrever o que eu senti na ocasião. No mínimo, uma perda, e decepção é a palavra mais próxima para expressar meu sentimento.
Tirando o fato de meus copinhos serem lembrança de um lugar especial que visitei, ficar com um a menos me incomodou, pois não gosto de números ímpares para as coisas. Se vou ao mercado, por exemplo, tenho que comprar dois, quatro ou seis unidades de alguma coisa. Não gosto de ter três, cinco ou sete. O único ímpar que não me chateia é o um, pois encaro-o como o exclusivo, o especial, o escolhido. Certamente, uma neurose sem explicação. Assim, ter cinco unidades de algo me incomoda bastante.
Bom, voltando para o tema dos meus copinhos de Veneza. Recentemente, tive a oportunidade de voltar lá e, logicamente, pus-me em missão para recompor minha coleçãozinha, indo atrás do seu elemento faltante. Porém, que nada! Corri a cidade toda sem sucesso. Nas infinitas lojas de cristais em que eu entrei, a informação era sempre a mesma: questo modello non è più prodotto, signora.
Traduzindo, para a minha tristeza, não era mais fabricado aquele modelo. Havia outros, até parecidos, mas não iguais aos meus e minha meia dúzia teria de ficar capenga para sempre, sem possibilidade de reposição.
Minha filha, no entanto, que me acompanhava na saga empreendida, não podia ter sido mais precisa em seu comentário: - Mãe, pare de pensar no copinho que falta e pense que você tem cinco copinhos exclusivos que nem são mais fabricados e, por isso, tornaram-se raridade! Sinta-se privilegiada com isso!
Que tapa! Ela foi muito inteligente e sensível! De prejudicada por causa do desfalque na minha meia dúzia de copinhos de cristal murano, pensei que até poderia me ver como sortuda. De uma hora para outra virei dona de cinco unidades de pequeninas obras de arte raras.
Tem coisa que é muito clichê, mas carrega verdades preciosas: tudo traz embutido o "olhar para o copo meio cheio ou meio vazio". Basta escolher para qual parte dar importância e seguir. Engraçado é que a história toda envolveu justamente ... um copo!

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