O TREM DA VIDA
A comparação chega a ser pobre de tão batida, clichê, ideia comum, mas o trem e a nossa vida têm tudo a ver. A vida passa. O trem passa. A vida, como o trem, envolve embarques e desembarques, os nossos e os de outras pessoas, além de não ter marcha ré nem possibilidade de controle de nossa parte. Em ambos há altos e baixos, curvas, retas, paradas e acelerações. Escrevi essas linhas, aliás, justamente dentro de um trem, na Itália, numa viagem que fiz há algum tempo, quando fiquei brincando de fazer metáforas.
Comecei pelas imagens que transcorriam pela janela rapidamente, como as experiências que temos. Passam tão ligeiramente que é difícil absorver tudo. Ora campos muito verdes, jardins coloridos e plantações bem cuidadas com cara de felicidade, ora terras queimadas, árvores magras sem folhas ou frutos com cara de tristeza, e tudo vai mudando de um instante para outro. Dá vontade de parar o trem, e o tempo, para que se possa perceber um pouco mais de tudo. Porém, não é possível. Vale mesmo é o talento para focalizar no que importa e saber que tudo é efêmero. E é curioso pensar que a mesma paisagem desperta emoções e sentimentos diferentes em passageiros diversos, pois cada qual reage de um jeito aos estímulos.
Outra coisa que me ocorreu foi que o trem passava por túneis escuros e só o que eu conseguia perceber era um breu total. Nesses momentos me senti, mais do que em outros, sem controle algum, apenas torcendo para que a luz voltasse o mais breve possível. Na vida, também temos momentos de escuridão, que são nossas incertezas e medos, quando nada enxergamos, até que um lampejo de entendimento promova a claridade necessária para seguirmos. Do mesmo modo como nos túneis, torcemos para que sejam provisórias nossas trevas internas.
Não dá para esquecer dos trilhos. Na vida seguimos igualmente por eles. São nossas referências, havendo várias delas entrecruzando-se e determinando para onde iremos, conforme nossas escolhas, evidentemente, não sem um bocado de dúvida.
Reparei, ainda, que meu pescoço doía por eu fixar meu olhar para a janela mais próxima de onde eu havia me colocado, sendo que vez ou outra era preciso virar para o outro lado para aliviar e daí eu observada o que se passava através da janela oposta. Com isso me veio que mudar de perspectiva traz novos cenários e que, às vezes, escolher um novo ângulo de visão pode ser o livramento da dor e o desfrute de outros panoramas. Arrematei meu raciocínio concluindo que, necessariamente, optar por uma janela significa perder o que se passa pela outra. De fato, escolhas e perdas andam sempre juntas e a culpa é da variedade da vida, que está aí com o seu menu de possibilidades.
Engraçado foi também notar que no trem muitas pessoas seguem viagem conosco. São, comparativamente, os nossos familiares e amigos, mas neste caso, torcemos para que não desembarquem tão cedo. São todos muito diferentes em termos de idade, origem, objetivos, personalidades. Uma diversidade que nos enriquece e desafia.
É possível ter alguém sentado bem ao nosso lado, compartilhando a viagem por algumas ou muitas estações. São os nossos amores. E é fato que nem todo mundo irá conosco até o destino final.
Nesse paralelo entre o trem e a vida, não pude deixar de considerar aqueles desconhecidos que acabam se sentando próximos de nós, fazendo insuportáveis ruídos e nos irritando com suas maneiras. Parecem ter sido colocados ali de propósito, para, justamente, perturbar nossa paz. Aconteceu comigo nessa viagem de trem pela Itália. Qualifiquei-os como instrumentos de purificação atribuindo-lhes a tarefa de ajudarem no meu melhoramento em termos de me tornar uma pessoa mais paciente. Sem sucesso. Desafiaram tanto minha tolerância e coragem a ponto de eu mudar de vagão, o que me fez pensar que podemos nos livrar de incômodos quando bem quisermos.
Por outro lado, há os que despertam nossa curiosidade e vontade de aproximação, seja pelo jeito como se comportam, seja por causa de suas estratégias para enfrentar a viagem com conforto e inteligência. Isso também aconteceu na minha viagem de trem. Fiquei observando, por exemplo, um senhor muito compenetrado aproveitando o tempo para ler um livro, sem tirar os olhos das suas páginas. Tive vontade de lhe perguntar qual o segredo para tanta concentração em meio a estímulos tão diversos. Foco, talvez ele dissesse.
A brincadeira da comparação entre a vida e o trem ainda me trouxe o lance sobre ficarmos atentos para não perdermos o timing certo para o desembarque, assim como dos momentos em que precisamos pular fora de situações desagradáveis pelas quais passamos. Não dá para dormir no ponto, senão perdemos a chance de mudar para outros rumos, outros caminhos.
Enfim, a viagem da vida está aí para aproveitarmos o trajeto sem que tenhamos pressa de chegar ao destino final, pois, o que importa é curtir nesse expresso divertido e rico cada momento que ficará para trás, e levar junto à bagagem tudo o que pudemos aprender.

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