COMO UM DRAGÃO QUIETO
O que uma boa parte das pessoas não sabe, porque não acostumada ao ofício jurídico, é que a Justiça é inerte, parada, não se movimenta sozinha, não age espontaneamente. É como táxi parado no ponto esperando alguém chegar e solicitar uma corrida até um dado endereço, metáfora que acabo de inventar para dizer o que está estabelecido no artigo segundo do nosso Código de Processo Civil brasileiro: "nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer". Este é um dos pilares do processo judicial e uma das primeiras lições a quem se prepara para a labuta com as leis. Chama-se princípio da inércia da jurisdição.
Na época da faculdade de Direito, há uns trinta anos, tive um professor dessa matéria que dizia que a jurisdição é como um dragão quieto em seu canto, que só se mexe quando provocado. Diga-se de passagem, a palavra provocação é usada no âmbito jurídico, justamente, para se referir ao pedido que alguém faz à Justiça. Se ninguém cutuca aquele dragão, ele nada faz, permanece inerte, do mesmo modo que a Justiça, que não fornece nenhum pronunciamento sem que alguém a procure para a resolução de um conflito. Fica lá, à disposição, estática, esperando ser chamada.
Mas, assim que provocada a Justiça, o que se dá a partir de um pedido formal, inicia-se o processo judicial cujo ato final é o julgamento. Este somente ocorre após ser dada às partes a oportunidade para a produção de todo tipo de prova prevista na lei, como a testemunhal, documental, pericial, vistorias, entre outras, que são imprescindíveis, porque somente depois da sua análise é virá o veredito que afetará de várias formas a vida dos envolvidos.
Pensando nisso, bem que poderíamos adotar o princípio da inércia na vida diária porque, cá entre nós, não estamos imunes a meter o bedelho na vida dos outros. Para qualquer notícia da vida alheia que adentra nossos ouvidos, vamos logo dando um juízo de valor, uma opinião, sem que isso tenha sido pedido. Às vezes é por ingenuidade, outras vezes é por maldade mesmo. Se Fulana foi demitida do emprego é porque deve ter aprontado alguma. Se Beltrano estava acompanhado da prima do seu amigo é porque seu casamento vai mal e assim por diante.
No dia a dia de todo mundo, dar opinião sem que se tenha sido chamado a tanto, é coisa muito comum de se ver. É entrar em um transporte público ou recinto qualquer, assim como na rua, na escola, no ambiente de trabalho e tem lá gente falando de alguém, seja condenando ou absolvendo, dando suas versões ignorantes sobre os fatos apenas porque não aguentam segurar dentro de suas bocas seus pontos de vista. Devemos é nos esforçar para entender os motivos alheios, as circunstâncias determinantes de um comportamento tal, enfim, não palpitar sobre coisas que não nos digam respeito, recolhendo-nos ao lugar do silêncio, deixando que o poder da toga seja exercido por quem o deva.
Dar opinião sem critério é fácil demais quando a vida dos outros é que está no centro do debate. Difícil mesmo é entender os motivos de cada um, os porquês dos atos que cometeram, a história toda que os levou a fazer isso ou aquilo. Então, quando ninguém pedir a nossa opinião, o lugar onde devemos ficar é o mesmo daquele dragão dorminhoco representante da Justiça, que só se move quando alguém o provoca. No mais, a inércia é a melhor posição para todos.

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