PARA ALÉM DO NORTE
Buscar um Norte - ainda que já gasta pelo uso - é a expressão master do nosso vocabulário que, figurativamente, guarda o sentido de localizar-se, de estabelecer uma direção e segui-la. Carrega em si um apelo quase místico, um chamado para encontrar nosso lugar no mundo, traçar um rumo e ir adiante, guiados por uma bússola simbólica que aponta mais para dentro de nós do que para qualquer coordenada geográfica.
Quem está se sentindo perdido na vida costuma dizer que precisa de um Norte, o que funciona como sinônimo de um roteiro previamente sabido, um ponto de referência para que o vazio do desconhecido não seja tão ameaçador. Este Norte diz de uma trilha da qual já se intui cada curva, buraco ou ladeira, pois o ser humano tem pavor da desorientação. Virou força de expressão na linguagem 'um Norte', sendo que ninguém diz precisar de um Sudoeste ou de um Leste na vida. O medo de ir sem direção acabou por influir até mesmo na nossa linguagem.
O automatismo das palavras, portanto, parece-me perigoso, pois alguém que se deixa levar por este ditado sem muito critério acaba se fixando na ideia de um ponto conhecido, o que é um tanto limitante, como se ignorasse o espetáculo vasto das possibilidades que nos rodeia, isto é, os milhões de caminhos que podemos tomar. A Rosa dos Ventos aprendida nas aulas de geografia no colégio serve para nos mostrar bem isso.
É o instrumento de representação gráfica da volta completa do horizonte que surgiu a partir da necessidade de se estabelecer um sentido preciso nas cartas de navegação e de aviação, haja vista que, como descoberto há tempos pelo ser humano, um mínimo desvio implica em importante alteração da rota. Por exemplo, basta errar em uma ínfima subdivisão do grau para, lá na frente, chegar num ponto bem distante daquele inicialmente pretendido.
Na vida, cada qual também tem o seu próprio horizonte, que é o lugar para onde lançamos as flechas das nossas escolhas de hoje e as quais nos levarão a circunstâncias e situações lá na frente. Mas é importante saber que perde quem navega sempre pelos mesmos mares e deixa de aportar em outras terras, com todas as suas correntezas e ventanias.
A bem da verdade, seguir o Norte expressa que fomos ensinados a seguir modelos de pensamento para tomadas únicas de decisão, que nos farão viver sem emoção, paralisados. É como disse o poeta "Os ventos do norte não movem moinhos". Portanto, buscar o Norte é rejeitar o infinito leque de possibilidades, ser dependente da validação dos nossos pares, da família ou da sociedade a que pertencemos, a fim de atender às suas expectativas. Seguir o Norte é não ouvir a voz interior que se orienta para outro ponto.
Pequenos gestos e decisões aparentemente triviais podem mudar nossa trajetória de maneira significativa, abrindo-nos um leque quase infinito de futuros possíveis. Nossas condutas atuais levam-nos a um sem número de probabilidades ao redor da circunferência invisível que nos cerca, de sorte que bastam pequenas mudanças para que possamos chegar em pontos diferentes dos que imaginamos inicialmente, desde que armados de curiosidade e coragem.
É sempre tempo de lançar os olhos em outras direções. A Rosa dos Ventos é então a metáfora perfeita da existência, para dizer que há sempre outros lugares, outras dimensões, outras realidades possíveis e o bacana é tomar consciência de que as nossas chances são infinitas.
Como navegadores e aviadores no curso do nosso próprio destino precisamos encarar o novo, pois isso sim é viver, e quanto mais variadas forem as direções, mais ventos e alturas experimentaremos. Provar novos sabores, visitar lugares, engajar-se em conversas com estranhos, aprender habilidades desconhecidas são, justamente, o mosaico da nossa vida. São como os pequenos desvios, os pequenos ajustes no itinerário que fazemos para a descoberta de 'novos horizontes'. Aliás, não é à toa esta expressão, como um convite à experimentação.
Ouso afirmar que a variedade da vida está, justamente, nos pequenos ângulos que mudamos, propiciando a ampliação do portfolio pessoal, a cartela de cores dos dias. Este é o poder das pequenas mudanças como meio para percorrer rumos diferentes dos que estamos habituados, para o que talvez seja necessário romper tratados, trair ritos, gritar, desabafar, como fez aquele poeta que achava que os ventos do norte não movem moinhos.

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