CONSENTIMENTO
A palavra de ordem para hoje é esta: consentimento. Consentir é não obstaculizar, é tolerar por vontade verdadeira, por desejo de não se opor e de não gastar energia psíquica. Consentir é não antagonizar. Consentir é diferente de permitir, porque porta um sentido maior envolvendo apaziguamento e porque permissão pressupõe hierarquia e poder de quem permite. Consentir também é diferente de desistir, porque não se trata de abrir mão ou de largar os bets, como se diz aqui no sul. Não é tampouco entregar-se à derrota e à impotência, porque o consentimento, por sua natureza, envolve o ato voluntário de reconhecer que algumas coisas são do jeito que são. Consentir é acolher com o coração o que não se pode mudar, o que não se sujeita à vontade egoísta de transformar algo que tem seu próprio modo de ser, sua essência.
O consentimento há de ser autêntico, genuíno, sentido na própria carne e com aquietação frente a um desejo insistente. Envolve a percepção de que é melhor dar vazão à paz que sempre está à disposição de qualquer um, só esperando passagem para se presentificar no coração e oferecer leveza à alma. Diz respeito à aceitação de que algumas coisas repousam sobre o solo alheio às influências do querer individual e presunçoso.
Malhar em ferro frio é a expressão que ouvi desde pequena da minha mãe para o aprendizado de que há coisas sobre as quais não temos o poder de interferir, e nisso não entram apenas as coisas para as quais nossas forças físicas são limitadas, como mudar as montanhas de lugar ou forçar a chuva a cair. Entra de tudo, inclusive aquilo que não temos do direito de mudar, como as pessoas, quiçá o terreno mais difícil de se aplicar o consentimento, uma vez que aceitar o outro em sua inteireza e peculiaridades demanda sabedoria, humildade e inteligência.
O consentimento é a melhor via para a paz interior e, certamente, um exercício difícil, pois implica no caminho obrigatório para o respeito às razões pessoais de cada qual, de acordo com o seu tempo, seus limites, suas vontades, seus quereres. Consentir é não dar abrigo à soberba e ao egoísmo de achar que o mundo gira em volta do próprio umbigo.
Na cultura japonesa, o tai sabaki é o conjunto de técnicas para lidar com uma dada situação, um método de gestão das energias pessoais para evitar o esgotamento inútil dos combustíveis mentais. Não se tratam de formas para se esquivar do que é preciso enfrentar e gerenciar, a exemplo de alguns objetivos e alguns conflitos, mas de estratégias para alcance da tranquilidade.
A própria natureza mostra o uso do tai sabaki em suas dinâmicas, como o tronco grosso da árvore que não consente com o peso da neve acumulada em si e acaba quebrando numa determinada hora, ao passo que o caule fino e flexível do bambu verga suavemente, deixando cair a neve ali depositada, voltando íntegro à sua posição original, sem danos. Melhor ser tronco duro, rijo e quebrar-se frente à adversidade ou bambu leve, flexível e durável quando o peso da vida se acumula? Melhor quebrar-se na insistência de parecer forte ou curvar-se para deixar que a dificuldade passe e mostre que fragilidade não é fraqueza?
Consentir é sinal de iluminação, porque demonstra o conhecimento de que não podemos ter o controle de tudo, dos acontecimentos, das pessoas, do mundo, da vida, da morte. É deixar de querer ser o anteparo contra certos movimentos da vida, porque precisamos saber que não somos tão fenomenais na luta contra coisas que são como elas são. Consentir significa abdicar da ideia do suposto direito sobre algo que reside na esfera de escolha do outro, é saber que o exercício da alteridade liberta mais a quem o pratica.
A libertação virá, trazendo a consciência de que certos embates não são sadios e servem apenas para escoamento das forças, além da mais pura perda de tempo e enfrentamento inútil contra algo irrealizável. Virá como troféu pela triagem sensata das disputas que valem alguma medida de esforço pessoal. Consentimento é concentrar-se em potência para viver bem e deixar de gravitar em volta do outro exigindo-lhe mudanças para eximir-se da responsabilidade própria. Consentimento é como abrir janelas para que o ar pesado se vá com o vento e limpe o ambiente, é varrer a arrogância de que se pode atropelar o outro, sem respeitar sua natureza individual.
Fonte da imagem: https://www.fastcompany.com/91014728/heres-what-its-like-to-quit-a-job-you-love-and-how-to-make-it-easier

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