O SAPO DO BANHADO
Se há algo que subsiste como dogma no grande caldeirão de verdades da humanidade é que cada um tem seu tempo e maneira para curar suas dores. Isso indica que é necessário respeitar os ritmos e estilos próprios de cada um até que consigam dar conta do que a vida lhes traz como desafio individual. E longe de ser uma benevolência, trata-se de um direito que lhe cabe, talvez, dos mais sagrados.
É como se cada pessoa tivesse dentro de si um fundo de recursos emocionais acumulado aos poucos e variável de acordo com sua idade, suas relações familiares, suas vivências e acontecimentos em geral. Isto é o mesmo que afirmar sobre a necessidade de se colocar no lugar dos outros, cujo tempo de elaboração em face das lutas que enfrenta é muito particular e que cada calo é proporcional à ferida sofrida.
Quando se está protegido com um coturno de solado grosso, não há como exigir que o ser humano ao lado, descalço num chão de pedregulho, não sinta dor. Ignorar que cada um tem seu tempo é pura ausência de compaixão e de empatia, além de um egoísmo, do brabo, assim como falta da noção de que as pessoas vão até onde conseguem num dado momento de suas vidas, só conseguindo ultrapassar seus limites quando os velhos ferimentos não latejarem mais e possam ser úteis como referencial de superação para outras dores ou medos que vierem, sejam reais ou imaginários.
Sim, dores ou medos imaginários também contam, pois eles só são bestas ou bobos aos olhos de quem está de fora, sendo muito reais para quem os experimenta. É por isso que não há como obrigar alguém a desprender-se dos seus fantasmas como quem abaixa um simples véu do rosto. Dores e medos ilusórios são tão verdadeiros e concretos para uns quanto não o são para quem não acessa a singularidade alheia. É porque a realidade será sempre individual, e particularmente relacionada às histórias pessoais, que, bem ou mal, influirão na visão de mundo de cada um perante o chamado da vida para algum enfrentamento. É o mesmo que dizer que cada um enxerga o mundo conforme sua própria lente.
Assim, não adianta se fiar na crença de que todas as criaturas têm ferramentas emocionais equivalentes contra as adversidades. É como oferecer o oceano para o sapo do banhado e criticá-lo por sua recusa. Se o bichinho só domina o seu habitat, é certo que um mundo novo lhe será assustador, ainda que não o seja para o tubarão que o propagandeia. Para este tubarão que tenta seduzir o sapinho com as maravilhas que conhece, dizendo-lhe sobre um lugar bem melhor do que o banhado pequeno e raso, estará faltando a lição número um da convivência, que é o respeito ao outro, aos seus processos, às suas escolhas.
É até possível imaginar que o sapinho se sentirá encantado com os mares, mas será necessário respeitar o seu tempo e a capacidade das suas perninhas até que chegue lá, caso queira, inclusive, pois o seu banhado pode ser também muito bom e estar no âmbito de suas escolhas. Pode ser que o sapo diga ao tubarão que seu conforto está na água calma e doce do seu banhado e que as correntes marítimas salgadas, ainda que tentadoras, estão fora de suas cogitações, não são a sua morada. Forçar alguém a algo é desumano e violento.
Como disse Simone de Beauvoir "é meu passado que define a minha abertura para o futuro... o meu passado é a minha referência que me projeta e que eu devo ultrapassar... ao meu passado eu devo o meu saber e a minha ignorância".




