terça-feira, 21 de maio de 2024

 LIGADOS DE ALGUMA FORMA

            Era um homem alto, magro, com a calvície dominando os poucos cabelos finos e prateados. Seus olhos, de um azul claro e profundo, eram expressivos e guardavam muitas histórias. Suas orelhas eram levemente pontudas e delas saíam tufos de pelos. Sua nuca era enrugada pela velhice e pelo sol tomado durante toda uma vida com a proteção de apenas um chapéu de palha. Os dedos de sua mão direita eram bastante amarelados de tanto segurar o cigarro, vício do qual nunca se afastou. Andava e falava vagarosamente.

            Este era o meu avô materno. Seu nome era Waldemar. Era também meu padrinho de batismo. Morreu aos 74 anos de idade, pouco depois de eu completar os meus vinte e um. Que saudades de você, vô! Jamais esqueceu de comprar na vendinha da esquina a barra de chocolate de que eu tanto gostava. Era ele também quem me dava mesada na adolescência. São dele muitos dos livros que eu guardo até hoje em casa.

            Gostava muito de ler comendo doces ao mesmo tempo. Livros, revistas, qualquer coisa que lhe caísse à frente. Usava seus óculos de lentes grossas e armação preta. Tinha hábitos simples.

            Foi de tudo na vida. Começou a trabalhar como aeronauta, mais especificamente, como rádio-operador de voo, tendo atravessado os céus do Brasil inteiro por meio de aviões de empresas aéreas que já nem existem mais. Também trabalhou numa companhia de transporte ferroviário, já extinta.

            Depois de se aposentar, comprou uma chácara e lá ia todos os dias de tarde para capinar, colher frutas, cuidar das plantas, das galinhas, assim como conversar com o Seu Bressan, vizinho do terreno ao lado, dono do Tito e do Caco, os cavalos a quem dávamos capim através da cerca que dividia as propriedades. Chegou a construir uma casinha branca nesta chácara, da qual eu tenho uma forte lembrança, capaz de preencher um espaço tão real quanto simbólico em minha memória.

            Vendida a chácara após alguns bons anos, o velho alemão foi ser escritor. Escreveu mais de três mil crônicas, todas com a ajuda da sua máquina de escrever obsoleta, mas que nunca lhe deixou na mão. Está comigo uma grande parte daqueles papéis, hoje escurecidos pelo tempo. Gostava de conversar sobre tudo, desde política, história, geografia, causos... Era metido a saber de tudo, interessava-se por tudo.            

            Hoje passei o dia inteiro pensando nele. Em meus ouvidos veio a memória de sua voz grossa, assim como a sua boca fumacenta por causa do cigarro. Meus olhos também pareceram captar o seu semblante, como se ele estivesse bem à minha frente. 

            Mas a maior mesmo foi na hora do meu banho, em que cheguei a cantar umas quatro vezes a musiquinha que ele cantava para mim quando criança. A letra , bem singela, falava de acordar uma tal de Dona Maria, porque já eram oito horas e o sol já raiava e os passarinhos faziam seus ninhos e lá, lá lá e a tal da Dona Maria precisava levantar-se para a lida do dia. Ao final da cançãozinha, meu avô fazia cócegas na cintura magrela da menina de 5 anos que eu era. Eu sempre sabia do final desta brincadeira, mas pedia para ele repetir mesmo assim.

            Já faz 33 anos que ele partiu e muita saudade brotou no coração da neta que tanto amava aquele velho homem. Achei muito engraçado ter ficado o dia inteiro lembrando do meu avô Waldemar: sua voz, seu rosto, seus dedos amarelos, suas histórias. No fim da tarde, percebi o motivo dessa lembrança intensa, quase como uma revelação surpresa vinda à minha mente: hoje é 21 de maio, o aniversário do meu querido avô.            

            Para mim, coincidências não existem, mas se existem, não quero acreditar nelas. Prefiro pensar que meu avô esteve ao meu lado todo o tempo no dia de hoje, para dizer que temos um fio de luz que nos une para sempre, porque amor é coisa que transcende o tempo e a própria vida.

Um comentário:

  1. Parabéns não tive o privilégio de conhecer seu avô mas pela sua crônica acredito que o conheci um abraço

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