FALHEI COMO PESSOA
Que bom chegar numa altura da vida e conseguir dizer em voz alta e para qualquer um ouvir: Falhei como pessoa! Porque cansa elaborar explicações para justificar um erro. Cansa procurar as melhores palavras que sirvam de atenuantes para as pisadas de bola. Melhor e mais simples reconhecer. Minha geração cresceu sendo impedida de errar e sendo punida quando não se fazia o que era o tido como certo. Assumir uma falha era doloroso e anunciava expiação.
Sou do tempo em que o ensino vinha a partir do castigo, da ameaça, do dedo levantado em sinal de aviso. Quem viveu na época da minha infância aprendeu a se controlar para que o comportamento saísse de acordo com as expectativas e normas vigentes. Como resultado, ficou na alma uma espécie de cicatriz disso, o medo do desacerto, esse fantasma alojado no fundo da cabeça. Parece um ente com vida própria, um parasita, um inquilino folgado ditando ordens.
Aos dez anos roubei o jornal que o zelador do meu prédio estava guardando para a hora do seu café. Não lembro porque fiz aquilo, mas jamais esqueci da bronca que levei dele ao ter sido descoberta. Meu Deus, ele iria contar tudo para os meus pais! Nem precisou, eu mesma me antecipei e confessei a eles meu grave crime, chorando como se tivesse matado alguém. Aos onze, fiquei de conversinha e risadinha com uma amiga no auditório do colégio enquanto alguém palestrava sobre educação sexual. Também fui pega e, óbvio, punida em casa. Minha mãe me obrigou a fazer uma redação sobre o assunto, com pesquisa na Barsa e tudo.
Aos treze, tive de ficar trancada no quarto até esgotar o conteúdo da prova de ensino religioso marcada para o dia seguinte, para compensar a péssima nota do bimestre anterior. Já mais crescida, aos vinte e um, dei um empurrão no meu namorado no meio da rua por ele ter olhado a bunda de uma mulher que havia passado perto de nós com uma calça bem justa. O figura não me perdoou e fez da minha insegurança um motivo para me passar o maior sermão e ainda me jogar na cara que eu o havia agredido. Engoli aquilo como justo.
Lembrando dessas e de outras passagens da minha vida, quando fui posta (e permaneci) no lugar da mais terrível infratora, lamento não ter tido serenidade e autocompaixão suficientes para, simplesmente, ter dito com generosidade para comigo: - Sinto muito, falhei como pessoa! Falhei, porque sou humana e erro, porque não sou perfeita. Não preciso ser jogada do precipício ou ser açoitada por causa disso. Falhei porque tive meus motivos, porque me equivoquei, porque senti medo, raiva, preguiça, porque fiz o que me foi possível, porque ninguém anda com os meus pés para saber das minhas aflições e dificuldades.
A gente falha mesmo, por coragem ou covardia e também porque às vezes a melhor das nossas intenções acaba, sem querer, prejudicando os outros ou porque a gente, de vez em quando, se sente perdido, insatisfeito, deprimido. A gente falha a toda hora e isso não devia regular o nosso valor nem limitar nossos atos e tentativas futuras para uma vida mais feliz.
'Falhar como pessoa' devia ser como uma espécie de slogan carregado de incentivo do tipo 'seja você mesmo' ou 'aparência não é essência'. Falhar é até bom, pois ensina, mas reconhecer que se pode falhar é libertador. Um peso que sai das costas e um ótimo exercício de autopiedade e aceitação.

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