segunda-feira, 29 de agosto de 2016

A MALDITA ESPERANÇA

    Segundo a mitologia grega, Zeus ordenou a Hefesto que moldasse com argila uma mulher de grande graça e beleza para lhe destinar a guarda de um presente a ser dado ao homem: um jarro lacrado. Apesar da proibição divina em abri-lo, a guardã, vencida pela curiosidade, destampou o objeto, deixando escapar as pragas da humanidade: doenças, dores, tristezas, loucura, inveja e morte. Ao recolocar a tampa com pressa, só conseguiu impedir a saída da esperança. É o mito da Caixa de Pandora.
   Na verdade, desde a primeira vez que li a respeito, não entendi porque a esperança estava entre os males do mundo, haja vista ser um tanto estimulada no coração humano e até reverenciada como um nobre sentimento. Quem nunca a encorajou em si mesmo ou no próximo? Mas lendo sobre filosofia aplicada à vida, me veio a explicação dias atrás, dada por um certo André Comte-Sponville, pensador francês moderno, adepto do estoicismo, para quem a esperança é a pior das adversidades porque nos faz viver em estado de expectativa por um futuro que não existe, e que só serve a nos desviar da principal e única realidade possível de ser vivenciada, que é o agora. Aliás, antes dele - fui pesquisar - Nietzsche já a identificava como uma desgraça que obscurece o essencial da vida. E ambos apontam que a esperança é produto da cultura, não sendo vista na natureza. É mesmo... nunca tomei conhecimento de que o sapo anseia um porvir melhor.
     É fato que defender uma causa é diferente de viver focado numa projeção pura e simples, de sorte que o idealista não se confunde com o esperançoso. De todo modo, se a esperança promove o sacrifício do presente real fazendo-nos escravos de planos futuros, que não seja a última a morrer. Já chega a nostalgia, representante das sombras do passado.

sábado, 20 de agosto de 2016

SILÊNCIO É OURO

      As Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro me deixaram bastante empolgada com a possibilidade de sinalizarmos para o mundo que damos conta de organizar um evento grandioso, que somos uma nação solidária, capacitada e que tem orgulho de ser brasileira. Enfim, que podemos impressionar os visitantes com as nossas potencialidades. No entanto, algumas sutilezas podem revelar que não estamos com essa bola toda, como o caso do mau uso da palavra para infelizes comparações.
      Olha só: uma de nossas atletas, já tendo sofrido preconceito racial nos jogos olímpicos anteriores, conquistou medalha de ouro em sua modalidade esportiva. Sem dúvida, uma vitória com sabor todo especial, espécie de revanche frente à pesada equiparação que então sofrera quatro anos antes. Mostrou superação, dando o recado que é digna de orgulho do seu país. Triste foi que a menina, diante do seu feito, se viu forçada a responder à seguinte pergunta na TV: - O que você sentiu naquela hora em que olhava para a adversária com cara de... tigre? Ora, se era para compará-la a alguma coisa, que tivessem usado termos como gladiadora, guerreira ou qualquer outro que não lembrasse um animal selvagem, quadrúpede e indomável, que usa o instinto ao invés da razão, que não emprega senão as forças físicas e sucumbe frente à inteligência, ou seja, sem nenhuma semelhança conosco. Será que não foi arriscado o parâmetro usado na entrevista?  Ah, nada a ver, não foi preconceito, diriam uns! Pois é lógico que não houve má intenção, foi só um descuido com a linguagem, um improviso desajeitado.
   No entanto, uma vez que o vocabulário tem o poder de expressar pensamento, sentimento, cultura, quando mal empregado pode ferir, de modo que em terrenos delicados, melhor premiar o silêncio com a medalha de ouro.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

FUNCIONÁRIO DO ANO


    Próximo da minha casa, um cruzamento de intenso tráfego foi escolhido por um senhor como ponto para o comércio de pipocas de pacote. A alternância do semáforo o faz correr de uma esquina à outra oferecendo seu produto, todos os dias, por horas. É incansável, não falha nunca, seja em dia de forte calor, frio ou chuva. Fica atento a qualquer chamado e vai de um lado a outro querendo atender o maior número possível de veículos, sempre com a sacolinha no braço para cuidar do seu estoque. Eu mesma já comprei, a título de aplauso silencioso pelo esforço. Tem o perfil de um funcionário que eu gostaria de empregar caso meu ramo de negócio fosse uma empresa.
  Imagine essa persistência e empenho com mais algumas técnicas de venda! E o referido sujeito, ainda por cima, é simpático. Mudaria de vida ou, quem sabe, enriqueceria num empreendimento com remuneração proporcional às vendas. Não há inúmeros exemplos de fortunas com começos modestos? Se todo mundo trabalhasse desse jeito pensando num país melhor, como seria? Tipo mutirão pra dar um arranque nas coisas, vestir a camisa verde e amarela. Cada um fazendo a sua quota da melhor maneira pra formar o todo transformador. 
   Esse vendedor me inspira, de certa forma, a pensar que a dificuldade tem o seu antídoto e está nas próprias mãos de quem a sente. Então, juntando a necessidade com a vontade de crescer, mais uma pitada de amor à pátria teríamos mais ordem e progresso.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

HORÓSCOPO

     Dias atrás chamou-me a atenção o horóscopo do mês para os nascidos sob o signo de touro. A recomendação dos astros era para que tomassem cuidado com as relações interpessoais que poderiam ser influenciadas pela divergência de opiniões. Achei divertido o conselho e me coloquei a pensar.
    Pois pra mim, parece ser justamente a divergência de ideias que promove a evolução da humanidade. Desde que o mundo é mundo, o desacordo funcionou como elemento propulsor da ciência, da moral ou de qualquer outra seara humana, de tal modo que a diferença de concepções me parece benéfica. Já pensou se Charles Darwin não tivesse lançado sua teoria sobre a origem das espécies por receio de agitar o pensamento dominante? Ou se Einstein não tivesse afrontado as leis mecânicas de Isaac Newton com a inovadora teoria da relatividade? Do mesmo modo não seríamos os mesmos se Jesus não tivesse sido o revolucionário de dois milênios passados. São as novas poposições que nos fazem sair da monotonia e rotina. Sendo assim, a recomendação astral não me pareceu merecedora de algum crédito.
      Em A Utopia, escrita por Thomas More no século XVI, a personagem Raphael Hitlodeu explica que, de acordo com os reis, o lugar comum das ideias deve prevalecer para que a sociedade não pereça caso surja um homem mais sábio que os seus antepassados e, principalmente, porque não querem ganhar a reputação de imbecis, pelo que diriam: "nossos pais assim pensaram e assim fizeram; ah, queira Deus que igualemos a sabedoria de nossos pais!" Continua, dizendo que diante de um melhoramento novo, a tendência é agarrar-se à antiguidade para não acompanhar o progresso. Evidente é a crítica embutida pelo escritor. Acredito que podemos ir em frente com nossos pontos de vista, não os evitando como forma de preservar as relações humanas, pois essas devem estar fundamentadas em outras bases, outros valores. A diversidade deve servir ao enriquecimento, basta termos consciência disso.
   Terminadas minhas ligeiras divagações sobre a advertância celestial aos taurinos, por curiosidade, fui ver o que o Sol em Áries me sugeria: "Ariano, o seu esforço atrairá bons frutos!" Muito favorável, pensei. Essa orientação, sim, seguirei à risca sempre.
AMIGA DOR

   Nos últimos vinte e tantos anos da minha vida, tive por companheira fiel uma dor de cabeça persistente e de difícil diagnóstico. Semanalmente, chegava ela a qualquer hora, às vezes no primeiro minuto do dia e com duração sempre variada. Passei incontáveis fins de semana amargando com analgésicos e caras forçadas de normalidade pra que ninguém sofresse junto comigo. Era coisa só minha mesmo. Fui a todos os "istas" e "ólogos" imagináveis e fiz diversos exames para desvendar a misteriosa causa. Até que de uns tempos pra cá o destino tem me permitido uma trégua entre mim e esse flagelo, por meio de uns cuidados simples e mudanças no estilo de vida, de forma que vem ficando cada vez mais fraca. Aleluia!
   A bem da verdade, estou aqui para prestar uma homenagem à moléstia que me fez companhia por incalculáveis ocasiões. Devo reconhecer que com ela adquiri uma capacidade de introspecção que me permitiu muitas vezes vir ao encontro de mim mesma. Foi ela também quem me ensinou a importância de lutar sempre e não sucumbir às derrotas, me indicando o caminho para nunca fraquejar. Nos momentos de maior crise, aprendi a ter criatividade como alternativa para combatê-la. No fundo, virou minha amiga, e até trouxe certa utilidade para quando eu pretendia recusar um convite qualquer ou me furtar de tarefas cansativas. Posso dizer que foi insistente e perseverante no seu propósito de me derrubar, mas eu fui mais. Tentou me aniquilar, mas não conseguiu. Instalou-se num esconderijo difícil, só que eu a contrei. Eu é que a venci, e dela já não preciso mais, de modo que podemos, cada qual, seguir o próprio rumo. Quero ainda dizer que não a odeio, apesar de tudo.
   Despeço-me aqui de você, dor! Agradeço-lhe pelos frutos de nossa convivência e que fique bem claro entre nós que não foi bom enquanto durou. Peço-lhe que devolva a chave e não me procure nunca mais.

terça-feira, 2 de agosto de 2016


MELHOR DE DOIS MUNDOS

          Ninguém quer abrir mão de uma coisa boa em troca de outra coisa que também é boa, certo? O ideal é incorporar à vida novas experiências ou bens sem sacrificar nada, e desfazer-se somente do que já não interessa mais. Mas é difícil escapar. O dilema da escolha é permanente na vida de todos, até mesmo das crianças, solicitadas a decidir sobre questões do seu universo.
   Lembro que próximo ao aniversário de onze anos da minha menininha perguntei o que ela queria de presente. A resposta foi certeira: - Brinquedo e maquiagem. Mundos opostos e igualmente tentadores. Lógico, não quis renunciar aos recursos da infância, tampouco as vantagens do crescimento. Foi bem coerente, na minha opinião, já que deu a melhor solução para as duas realidades da sua ainda curta existência: para as horas lúdicas teria com o que brincar, ao mesmo tempo em que usaria batons para as caras e bocas de moça quando não lhe conviesse ser infantil. Pra que escolher, não é? É tão mais prático ter tudo o que se quer, simultaneamente...
        Imagine se os adultos também pudessem sempre viver unindo as vantagens e os prazeres, sem perdas? Algo como trabalhar com paixão e ainda enriquecer, ou tirar férias num paraíso com a família inteirinha reunida, tomar todas e não trançar as pernas. E que tal ganhar liberdade sem perder a segurança? Também amadurecer sem envelhecer. Ô, que sonho! Talvez até nem seja impossível, mas é complicado, penoso, coisa rara de se ver. No mínimo, alguma disciplina é necessária ou, quem sabe, é tudo uma questão de sorte.
      De qualquer maneira, prefiro enfrentar a necessidade de uma escolha do que ter o nada como oferta, porque o melhor de dois mundos, quem sabe, seja mera ilusão.