sexta-feira, 5 de agosto de 2016

AMIGA DOR

   Nos últimos vinte e tantos anos da minha vida, tive por companheira fiel uma dor de cabeça persistente e de difícil diagnóstico. Semanalmente, chegava ela a qualquer hora, às vezes no primeiro minuto do dia e com duração sempre variada. Passei incontáveis fins de semana amargando com analgésicos e caras forçadas de normalidade pra que ninguém sofresse junto comigo. Era coisa só minha mesmo. Fui a todos os "istas" e "ólogos" imagináveis e fiz diversos exames para desvendar a misteriosa causa. Até que de uns tempos pra cá o destino tem me permitido uma trégua entre mim e esse flagelo, por meio de uns cuidados simples e mudanças no estilo de vida, de forma que vem ficando cada vez mais fraca. Aleluia!
   A bem da verdade, estou aqui para prestar uma homenagem à moléstia que me fez companhia por incalculáveis ocasiões. Devo reconhecer que com ela adquiri uma capacidade de introspecção que me permitiu muitas vezes vir ao encontro de mim mesma. Foi ela também quem me ensinou a importância de lutar sempre e não sucumbir às derrotas, me indicando o caminho para nunca fraquejar. Nos momentos de maior crise, aprendi a ter criatividade como alternativa para combatê-la. No fundo, virou minha amiga, e até trouxe certa utilidade para quando eu pretendia recusar um convite qualquer ou me furtar de tarefas cansativas. Posso dizer que foi insistente e perseverante no seu propósito de me derrubar, mas eu fui mais. Tentou me aniquilar, mas não conseguiu. Instalou-se num esconderijo difícil, só que eu a contrei. Eu é que a venci, e dela já não preciso mais, de modo que podemos, cada qual, seguir o próprio rumo. Quero ainda dizer que não a odeio, apesar de tudo.
   Despeço-me aqui de você, dor! Agradeço-lhe pelos frutos de nossa convivência e que fique bem claro entre nós que não foi bom enquanto durou. Peço-lhe que devolva a chave e não me procure nunca mais.

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