sexta-feira, 3 de junho de 2016


BOLA DE CHICLETE
      

       A família resolveu reformar a casa. Pintura, assoalho, tapetes, mobília... quase tudo já vinha precisando ser modificado para que ficasse com cara de mais novo, além de outros consertos que se fizeram oportunos naquela ocasião. Não se havia contado, porém, com o caos, a poeira e o tumulto ocasionado pela recém formada multidão. Além dos usuais moradores, passaram a ocupar o mesmo espaço o pintor, o marceneiro, o encanador, o eletricista, a diarista. Foram algumas semanas de muita correria, sujeira e baderna. Tudo muito dramático para quem curte tudo em ordem, cheirosinho e aconchegante. Por todo lado se via e se sentia movimentação e barulho. De noite todos precisavam dormir empoleirados na sala. Foi preciso o milagre da multiplicação dos itens de limpeza e da resiliência. A situação se assemelhava a um acampamento sem regras, muito cansativo. Mas a perspectiva de um visual renovado era o que impulsionava o andamento da obra!

       Contudo, em meio a esse cenário caótico a vida não podia parar, sendo necessário cumprir os compromissos corriqueiros, como, por exemplo, ir ao supermercado, que nessa hora era visto como oportunidade de fuga.

       Foi numa dessas escapadas, numa fria manhã de inverno com céu azul límpido, acompanhada da saltitante caçula, à época com nove anos de idade, que ouço um grito entusiasmado me acordando para uma outra realidade: - Mãeeeee...consegui fazer uma bola de chiclete! Foi a primeira vez, lógico. Aquele estalido perfeito, após inúmeras tentativas anteriores e frustradas trouxe incomparável felicidade àqueles olhinhos brilhantes e escuros. Uma vitória, sem dúvida, para quem vinha há tempos tentando conseguir essa façanha.

       Que privilégio o meu, pensei, ser testemunha dessa ingênua conquista. Foi mais mágico pra mim do que pra ela. A criança era só alegria naquele momento. Até a costumeira vigilância a que se habitua um morador da cidade grande se enfraqueceu repentinamente.    

      Vamos ao óbvio nem sempre percebido: a beleza da vida se oferece nos efêmeros instantes e nossos filhos são fonte segura de encantamento. Num único segundo do meu dia tudo passou à categoria do secundário. Cheguei até a esquecer do estresse que a baderna da minha casa vinha me causando.

       Concluí que a verdadeira reforma que se há de fazer é no olhar e no coração. E se me perguntarem do que mais eu lembro em meio àquela confusão toda em minha casa, responderei, com toda a certeza, que é muito mais importante fazer bola de chiclete do que escolher a nova cor das paredes.

 

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