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A família resolveu reformar a casa. Pintura, assoalho, tapetes, mobília... quase tudo já vinha precisando ser modificado para que ficasse com cara de mais novo, além de outros consertos que se fizeram oportunos naquela ocasião. Não se havia contado, porém, com o caos, a poeira e o tumulto ocasionado pela recém formada multidão. Além dos usuais moradores, passaram a ocupar o mesmo espaço o pintor, o marceneiro, o encanador, o eletricista, a diarista. Foram algumas semanas de muita correria, sujeira e baderna. Tudo muito dramático para quem curte tudo em ordem, cheirosinho e aconchegante. Por todo lado se via e se sentia movimentação e barulho. De noite todos precisavam dormir empoleirados na sala. Foi preciso o milagre da multiplicação dos itens de limpeza e da resiliência. A situação se assemelhava a um acampamento sem regras, muito cansativo. Mas a perspectiva de um visual renovado era o que impulsionava o andamento da obra! Contudo, em meio a esse cenário caótico a vida não podia parar, sendo necessário cumprir os compromissos corriqueiros, como, por exemplo, ir ao supermercado, que nessa hora era visto como oportunidade de fuga. Foi numa dessas
escapadas, numa fria manhã de inverno com céu azul límpido, acompanhada da
saltitante caçula, à época com nove anos de idade, que ouço um grito entusiasmado me
acordando para uma outra realidade: - Mãeeeee...consegui fazer uma bola de
chiclete! Foi a primeira vez, lógico. Aquele estalido perfeito, após inúmeras
tentativas anteriores e frustradas trouxe incomparável felicidade àqueles
olhinhos brilhantes e escuros. Uma vitória, sem dúvida, para quem vinha há
tempos tentando conseguir essa façanha. Que privilégio o meu,
pensei, ser testemunha dessa ingênua conquista. Foi mais mágico pra mim do
que pra ela. A criança era só alegria naquele momento. Até a costumeira
vigilância a que se habitua um morador da cidade grande se enfraqueceu
repentinamente. Vamos ao óbvio nem sempre percebido: a
beleza da vida se oferece nos efêmeros instantes e nossos filhos são fonte
segura de encantamento. Num único segundo do meu dia tudo passou à categoria
do secundário. Cheguei até a esquecer do estresse que a baderna da minha casa
vinha me causando. Concluí que a verdadeira
reforma que se há de fazer é no olhar e no coração. E se me perguntarem do
que mais eu lembro em meio àquela confusão toda em minha casa, responderei,
com toda a certeza, que é muito mais importante fazer bola de chiclete do que
escolher a nova cor das paredes.
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sexta-feira, 3 de junho de 2016
BOLA DE CHICLETE
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