sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

 COVID DE NOVO

       

        Fim de ano, o tempo firmou aqui na cidade depois de tantos dias nublados e chuvosos, e eu aqui, isolada, trancada de novo no quarto, porque peguei Covid pela segunda vez, ou melhor, ele que me pegou. Dessa vez veio mais fraco, amém Jesus, e isso graças à vacina e as posteriores doses de reforço a que me submeti. De todo modo, tive de obedecer ao protocolo de isolamento por dez dias na minha masmorra, determinado pelas leis sanitárias vigentes. Minha liberdade se restringiu a fazer um bom uso do tempo e foi aí que pude botar coisas em ordem.

        Meu trabalho on line, por exemplo, sempre tão volumoso, ficou em dia. Havia tempos que eu não conseguia cumprir minhas tarefas em tempo récorde e fiquei me sentindo a lebre da rapidez e do foco por ter me livrado de tudo. Contudo, eu teria trocado esse troféu para ter estado próxima de meus familiares, compartilhando as horas e os dias do período de retiro obrigatório.   

        Minhas leituras, num perpétuo acúmulo de cinco metros de altura, caso eu empilhasse livros na vertical, até que foram indo num ritmo mais rápido que o habitual, mesmo contando o tempo a mais que preciso para dar vazão à obsessão que tenho com minha canetinha I love NY para asteriscos, sublinhados, flechinhas e balõezinhos com comentários, e que acende uma luzinha quando aperto os pingos nos is. Contudo, eu também teria preferido manter meu Everest de livros uns sobre os outros em troca de poder fortalecer os vínculos afetivos, sentar à mesa com todos nas refeições ou somente tropeçar com eles pelos cômodos da casa.

        Minha playlist de músicas foi outra vertente de passatempos que engordou nos dias em que fiquei trancafiada. Bastante coisa nova e boa eu ouvi, assim como também prestei mais atenção em letras de velhas melodias para as quais nunca havia dado o devido valor quanto ao seu conteúdo poético. Contudo, ouvir vozes e risadas felizes numa roda de conversa com pessoas amáveis me parece mais enriquecedor.

        Tem os filmes. Passaram a incorporar minha rotina diária como se todos os dias fossem sábados ou domingos esparramada na cama. Recebi dos stremings ótimas sugestões de longas, curtas, documentários etc. Pegaram meu jeito ou, para usar a linguagem da internet, criaram um algoritmo, buscando me agradar com recomendações personalizadas. Contudo, há mais aconchego no sofá da sala com todos debaixo das cobertas, espremendo-se e espalhando farelos por todos os lados, demorando para a chegada a um consenso sobre o que assistir.

        Não poderia deixar de mencionar as minhas contas. Meu vermelho deu uma boa recuperada. Só mesmo um cárcere passageiro para me impedir de afundar o shopping no mês natalino. Contudo, teria sido bem melhor se eu pudesse ter gasto meus cifrões em presentes e em mesas lotadas de comida e bebida junto de boa gente.

        Há ainda o tempo em silêncio, é claro, do qual não poderia mesmo ter prescindido para fins de meditação e equilíbrio, assim como para me manter mentalmente forte caso me visse entrando pelos túneis que uma estrutura neurótica oferece. Contudo, teria sido muito melhor desfrutar o silêncio ao lado dos que amo, trocando com eles apenas linguagens corporais, olhares e sentimentos.

        Chego então à conclusão de que o isolamento forçado até que me permitiu fazer coisas produtivas, mas meras alternativas para preencher minhas 24h entre quatro paredes, um drible diante da inevitabilidade da doença, especialmente do Covid, que já havia provado ser insistente, mascarado e perigoso.

        Bom mesmo é não se descuidar jamais, para que possamos nos lançar ao mundo tão cheio de opções e riquezas que só o convívio humano oferece. A vida livre e saudável ao lado das pessoas é bem mais interessante do que qualquer upgrade.


Fonte da imagem: https://www.cruzeiros-douro.pt/pt/blog/regiao-do-douro/douro-lugar-para-convivio-entre-amigos

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