quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

 A DIFERENÇA ENTRE FATOS E HISTÓRIAS


         Há quem diga que fatos e histórias são a mesma coisa, afinal, os fatos são os elementos das histórias, logo, quando se contam fatos, contam-se histórias. Nada disso. Fatos são fatos, nus e crus. Histórias são as narrativas construídas em torno dos fatos e, portanto, há infinitas delas, porque infinitas são as maneiras de contá-las. Fatos são estáticos, histórias são vivas. Já ouviu falar que a história é sempre parcial? Claro, pois reflete unicamente o olhar de quem a conta, o que não quer dizer que seja falsa. É tudo questão de viés, de ponto de vista, de lado, de perspectiva. 

        Pena que só nos damos conta disso já adultos, quando somos capazes de construir uma explicação do mundo sem intermediários. Em tempos primevos, na infância e adolescência, é inevitável "comprar" histórias alheias ou "embarcar" em discursos de outros.

        Isso até me faz lembrar de um brocardo jurídico em latim que aprendi logo no início da faculdade: da mihi factum dabo tibi ius. Significa dê-me o fato e eu te darei o direito, que é a orientação dada ao juiz chamado a decidir uma causa qualquer. Para ele são suficientes os fatos, independentemente da interpretação que lhes dê cada um dos litigantes por intermédio de seus advogados. Porque o juiz só precisa mesmo dos fatos, nus e crus, para entregar a sua própria versão sobre os mesmos, e que será mais uma das possíveis histórias a serem contadas, neste caso, a partir da sua análise sobre a lei aplicável à questão. Isso, inclusive, explica o dito popular de que em cada cabeça, uma sentença, pois até para diversos juízes, os mesmos fatos despertarão outras visões.

        A partir disso, é possível uma ida ao passado para tomar os acontecimentos que rechearam uma vida e dar-lhes outro olhar, ou seja, ser o seu juiz para contar uma outra história, ressignificando velhas opiniões prontas dadas pelos que, muito embora a sua boa intenção, eram os donos únicos de suas próprias verdades. Podemos então fazer para nós outros relatos sobre os velhos fatos, os relatos que quisermos, os que nos parecerem os mais verdadeiros, os que fizerem mais sentido.

        É certo que histórias importadas dos que nos antecederam são como chãos para andar, referências, pontos de partida. Mas é certo também que haverá sempre o momento a partir do qual podemos dar o nosso próprio testemunho ao mundo e ao coração, adotando versões que mais se encaixem em nossos valores, anseios, desejos e vontades.

        Imagina, com uma nova narrativa, poder inocentar os vilões que acreditávamos terem sempre existido. Dar o benefício da dúvida para a destruição de certezas tão dilacerantes. Imagina dar outro nome aos erros, e encontrar boas justificativas para terem sido cometidos. Imagina poder jogar fora o peso inútil de uma culpa não merecida. Imagina libertar monstros invisíveis na cabeça. Isso tudo, apenas contando para si uma outra história, a partir de outro ângulo ... sobre os mesmos fatos. Quanta liberdade e paz envolvidas nesse processo!

       Somos capazes disso, de reescrever histórias, reeditar o passado para expressão da nossa verdade, a partir do lugar em que ocupamos hoje, sabendo que são somente nossas essas histórias.

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