DESEJO E QUERER
Perante o senso comum, desejar e querer significam a mesma coisa e por isso são usados como sinônimos. No dicionário, inclusive, consta que desejar expressa o ato de querer e, por sua vez, querer expressa o ato de desejar. Não há problema algum em usar quaisquer desses vocábulos no dia a dia, pois todo mundo se entende e sabe que um ou outro indica o ato de ambicionar algo, ter uma intenção, uma vontade. Só que, indo mais a fundo, no plano psíquico, um desejo pode ser diametralmente oposto a um querer. Freud explica.
A diferença entre ambos, muitas vezes, é desconhecida da maioria das pessoas e por isso acontece muito de alguém dizer que quer algo quando, na realidade, deseja outra coisa bem contrária, o que pode causar alguns conflitos internos. Complicado? Mais ou menos...
É que o desejo costuma ser inconsciente, habita o território do social e moralmente proibido e por isso é que está escondido, impedido de manifestação explícita por força da cultura, da religião, dos valores sociais etc., localizando-se atrás da censura interior que todos construímos para poder viver em sociedade. Fica lá na masmorra da nossa mente, sem permissão para ser assumido, do contrário, seremos julgados, apontados, expulsos, excluídos, cancelados. Somente um processo de conscientização sobre sua existência permitirá tornar conhecido um desejo oculto e essa descoberta costuma surpreender.
Diversamente, o querer vem da consciência e, portanto, costuma representar algo permitido, autorizado pela moral e os bons costumes. Queremos aquilo que não choca a ninguém e que até pode ser compartilhado, mas que nem sempre guarda relação com o que de fato existe no nosso íntimo em termos de vontade genuína. É como adotar um disfarce para cabermos nas balizas da moralidade e porque não reconheceríamos alguns de nossos desejos mais profundos, maiores do que os estreitos limites das regras impostas, explícitas ou implícitas.
O desejo é devastador, não conhece regras, força os muros interiores reivindicando satisfação plena e por isso mesmo deve ser contido, para não se chocar contra a maneira civilizada de vivermos. Já o querer é mais racional e superficial, construído com base na conveniência social, inserindo-se no campo das coisas permitidas a todos. Vamos a um único exemplo bastante simples: alguém pode desejar permanecer doente, ainda que manifeste expressamente o querer de curar o seu mal. Ou seja, no plano da consciência é evidente que qualquer criatura diz querer gozar de boa saúde para viver a vida, todavia, inconscientemente, pode desejar a doença, por causa dos benefícios ocultos que essa lhe traz, como atenção, preocupação dos demais à sua volta, isenção de certas tarefas.
Para resumir, o querer vem do pensamento, da consciência, é fruto do processo de escolha do indivíduo. O desejo, ao contrário, nasce no inconsciente e tem relação direta com experiências passadas que continuam produzindo efeitos internos sem que o saibamos, é cego e não conhece as limitações da sociedade, querendo apenas ser satisfeito.
Quem está de posse de algum grau de autoconhecimento, de bem com suas questões internas, até consegue admitir seus desejos, não os colocando, necessariamente, em prática, mas reconhecendo sua existência para melhor compreensão de si próprio e da natureza ambivalente do ser humano, sem culpas, medos ou punições.
Quem dera pudéssemos identificar todos os nossos desejos para sermos psiquicamente mais saudáveis, administrando-os na mente, acolhendo-os e sabendo que são naturais em nós, ainda que não possam, muitas vezes, ganhar expressão no mundo em que vivemos.

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