CRIATURA
Chamar alguém de criatura pode, prematuramente, causar algum desconforto. Parece ser uma forma de provocá-lo sem dizer o seu nome, denunciando-lhe um possível deslize de sua parte. Mas para mim, não. Chamar uma pessoa de criatura revela, no meu vocabulário, o credenciamento recebido para estar no seleto grupo dos que eu amo e admiro.
Gosto da palavra criatura, a qual convoca a reconhecer que somos isso mesmo perante o mundo, a natureza, o cosmo, o universo, o infinito, Deus. Etimologicamente, criatura quer dizer alguma coisa fruto de uma criação e, portanto, nenhuma ofensa nisso. Somos todos criaturas, dado que fomos criados.
Num dado momento aterrissamos nesse planeta, somos a interface entre duas épocas, a em que não existíamos e a em que passamos a existir. De um momento para outro passamos a fazer alguma diferença, mesmo que considerada apenas numericamente para fins estatísticos.
O senso comum, contudo, de mãos dadas com a linguagem, tratou logo de colocar um viés depreciativo nessa palavra que para mim soa tão sublime, porque remete a um poder primordial e aglutina as qualidades de qualquer coisa animada de vida.
Machado de Assis dedicou-se a escrever um poema, justamente, intitulado "Uma criatura", dizendo Pois esta criatura está em toda obra / Cresta o seio da flor corrompe-lhe o fruto / e é nesse destruir que as forças dobra (...) Tu dirás que é a morte; eu direi que é a vida. Quis o gênio literário brincar com as palavras para reconhecer em tudo, uma força, que é a vida.
Criatura é expressão de existência e movimento, prova de uma potência oculta que em tudo habita e impulsiona. Se eu te chamar de criatura, saiba, simplesmente, que te reconheço como morador em meu coração, digno de aplauso e dos meus mais verdadeiros sentimentos.

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