sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

 COMPRA-SE UMA ILUSÃO

            Eu era pequena, mas lembro vividamente de um livro comprado pelos meus pais. Chamava-se "A roupa nova do rei", de Hans Christian Andersen. Resumidamente, o conto falava de um rei ludibriado por dois vigaristas que se passaram por tecelões, vendendo a ele uma roupa especial. Eles enganaram o rei afirmando que somente pessoas inteligentes poderiam enxergar a peça.

            Na verdade, não havia roupa alguma. Os trapaceiros inventaram a farsa, encenando com mímicas como se estivessem vestindo a autoridade, usando gestos e movimentos, mas na verdade não havia nada. O rei acreditou em tudo e saiu em procissão pela cidade exibindo sua nova e suposta aquisição. Na verdade estava nu, mas caminhava todo orgulhoso.

            Acreditar em algo é mesmo coisa muito forte. É fazer da ilusão uma verdade. Quem acredita em algo constrói uma realidade concreta dentro da própria cabeça e a fé está aí para confirmar esta afirmação. A mentira também é uma prova de que realidades podem ser fabricadas, porém, neste caso, mediante manipulação de mentes inocentes. É por isso que quem diz que a realidade é uma só nem sabe que está cometendo o maior equívoco. 

            Como na estória do conto do rei, toda vez que eu compro uma roupa, um sapato ou qualquer coisa, tenho a mais absoluta convicção de que o que estou comprando é uma ilusão. A ilusão de parecer mais elegante, bonita, alta, feliz, magra, ou qualquer outra coisa. Daí uma rápida olhada em meu armário abarrotado até me assusta, uma vez que revela quanta ilusão eu já comprei.

            Na verdade, o que compramos não é uma calça, uma camiseta ou um sapato novos, mas uma nova versão de nós mesmos. A renovação do guarda-roupa parece ser um caminho ingênuo a ajudar no surgimento de um novo "eu", ainda que temporário.

            Pequenas ilusões de vez em quando não fazem mal; são até terapêuticas, porque promovem uma sensação leve de mudança no sex appeal. No entanto, é crucial reconhecer que se trata de um autoengano inofensivo. Caso contrário, a criatura pode começar a viver em um mundo paralelo de fantasias, perdendo sua essência e saindo do seu próprio eixo.

            Tudo isso serve, na verdade, para dizer que vivemos todos imersos num universo de ilusões, seja sobre nós mesmos, nossas relações, vivências, medos e outros tantos aspectos. Ainda bem que somos seres dotados desta potencialidade, pois a vida não seria possível sem ilusões e fantasias, dado que a realidade nua e crua é insuportável.


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