O...C...R...A
Recentemente, decidi viajar absolutamente só. Fui para Cusco, no Peru, lugar magnífico e convidativo para uma experiência existencial no estilo de um encontro pessoal longe de tudo e de todos. Uma espécie de aventura solitária para buscar algo precioso dentro de mim. A cultura dos Incas que lá viveram há séculos me pareceu perfeita como cenário desta jornada, pois desde minha adolescência sou fascinada pelos mistérios dos povos já extintos.
Acertei em cheio, porque lá me senti muito tocada pela forte energia das pessoas, da sua devoção religiosa, dos seus modos de vida, da sua cultura, da sua história bastante peculiar. Lá tive contato próximo com os templos sagrados, com a tecnologia misteriosa manifestada nas curvas de nível construídas nas montanhas. Minhas bases se moveram como os terremotos que castigam aquelas terras a cada trezentos anos. Para mim foi um período de grandes aprendizados, em especial, da sabedoria daquela civilização antiga com relação à natureza.
Pairavam na atmosfera do lugar as divindades dos seus antepassados. Seus deuses ali, ao alcance fácil de quem se coloca aberto a recebê-los. O sol, a lua, a terra, a água, as montanhas, o vento, as estrelas, os animais. Cada qual com seu poder e sua influência sobre o planeta e as pessoas. Nem preciso dizer que tive arrepios de todas as ordens. O respeito dos Incas pela natureza e por suas dinâmicas de funcionamento seria algo inimaginável para os dias atuais. O sagrado presente em cada nascer do sol, em cada gota de chuva, em cada tubérculo oferecido pela terra, em cada paredão rochoso capaz de extrair um suspiro profundo por quem o reverencie.
Sem esquecer que eu era ali uma turista, visitei o badalado Machu Picchu, o Vale Sagrado em Ollantaytambo, além de outras atrações locais. Acariciei as alpacas e lhamas mansinhas. Tirei mil fotos. Também me entupi de chá de coca e ceviche, e me entreguei ao delicioso Chicha Morada, suco vermelho à base de um milho típico da região.
Mas não tenho dúvidas de que o mais impactante foi admirar aquelas ruínas dos antigos templos e imaginar como monolitos pesando toneladas foram levados montanha acima sem guindastes. Não há lógica que explique. Imensos blocos foram juntados perfeitamente uns aos outros, sem espaço para uma fina lâmina sequer, e sem qualquer coisa equivalente a parafusos para uni-los e torná-los firmes contra os chacoalhões da terra. Não havia possibilidade para o erro. Uma inteligência milimétrica estava ali.
Foi possível ver que as faces e os vértices das construções de pedra não foram posicionados aleatoriamente, mas sim de acordo com os equinócios da primavera e do outono, e os solstícios do inverno e do verão, tudo obedecendo a prévias observações e cálculos matemáticos. Este era o seu calendário para o acompanhamento das estações do ano e, por conseguinte, das épocas de plantio de sementes e colheita dos alimentos. O controle disso estava, por exemplo, no alinhamento do nascer do sol no horizonte com a entrada do Templo Sagrado e o pico de uma montanha numa dada época, o que permitia saber que se tratava do início das chuvas e, portanto, que era tempo de semeadura. De outro modo, o alinhamento do pôr do sol com alguma estrutura do Templo da Lua indicava a chegada da estiagem, logo, que era tempo de colher.
Esta complexidade, entre outras de cair o queixo, revelava o conhecimento avançado dos Incas a respeito de astronomia e agricultura, mas que tinha como fundamento uma sabedoria superior, a qual me foi apresentada e daí tudo passou a fazer muito sentido: O...C...R...A. Minha nuca já foi escolhida para uma tatuagem com estas letras. São as iniciais de quatro ações essenciais realizadas por aquele povo originário de outrora, a partir do que tudo se torna possível sem que seja preciso destruir a natureza. Envolve observá-la, conhecê-la, respeitá-la e amá-la.
Uma sabedoria simples que chega a assustar pela sua singeleza e elevação, mas com efeitos grandiosos. Diziam os Incas que a qualquer lugar que o ser humano chegasse pela primeira vez, haveria de praticar estas quatro ações antes de agir apressadamente.
Aquele povo executou estas ações antes de se estabelecerem definitivamente nos Andes peruanos e o acerto de suas práticas estava, necessariamente, relacionado ao ato de observar previamente o lugar em que chegaram, para que pudessem conhecê-lo, por saberem que é somente conhecendo que se consegue respeitar e é somente respeitando que se pode amar.
São quatro ações possíveis a qualquer ser humano. Já estão dentro de seu coração, prontas para serem realizadas por onde quer que estejam. A simplicidade desta sabedoria não demanda maiores conhecimentos ou elaborações, bastando sua intenção verdadeira. Observar para conhecer, conhecer para respeitar, respeitar para amar.

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