DESEJO E RECONHECIMENTO
Um jogo com as palavras 'desejo' e 'reconhecimento' dá boas reflexões. Por si sós, elas já dariam pano pra manga. Mas a ideia aqui é colocá-las lado a lado e depois invertê-las, para mostrar os desdobramentos importantes a partir de duas situações bem opostas. Significa dizer que 'desejo de reconhecimento' é uma coisa e 'reconhecimento de desejo', outra.
O primeiro arranjo (desejo de reconhecimento), leva à ideia de que somos todos habitados, desde o início de nossas vidas, pela vontade de que as pessoas reconheçam nosso valor, a começar pelos nossos pais ou cuidadores e depois por nossos amigos, parceiros afetivos e até por desconhecidos na rua, no trabalho, na balada. É como se recebêssemos de fora um verniz e brilhássemos mais com isso. Não está errado gostar de aplauso pelas nossas capacidades, habilidades, beleza, inteligência, pois isso faz bem para a autoestima. Ruim é quando se depende disso para ser feliz.
Já o segundo arranjo (reconhecimento do desejo) adentra outra esfera, que é a de saber que somos recheados por desejos de todas as ordens, dos mais inocentes, que ganham passe livre para a sua satisfação, até aqueles mais obscuros que costumamos enclausurar inconscientemente no fundo de nossas mentes porque os tememos. Dos mais bobinhos, como ficar embaixo das cobertas em dia de frio, aos mais comprometedores, socialmente falando, todos os temos. E, sploiler: reconhecê-los é libertador! Mas, claro, não se trata de sair por aí atropelando tudo porque deu uma vontade louca de sentir prazer mesmo à custa de prejuízo aos outros ou até a si mesmo. O negócio é que, apenas saber dos próprios desejos, ainda que sem realizá-los por esbarrarem em impeditivos sociais, já é uma baita vantagem como medida de saúde mental para o manejo interno disso. Para viver em sociedade é preciso bom senso também.
De todo modo, deu para notar que o melhor resultado numa eventual disputa entre ambos os arranjos seria o 1x0 para o 'reconhecimento do desejo'. A vida fica mais leve quando o like alheio não faz nem cócegas.
A existência humana é mais livre quando se passa do desejo do reconhecimento para o reconhecimento do desejo. Ficar na posição de dependência de alguém externo a nós aprisiona, é como entregar nossa autonomia nas mãos de terceiros. O cantor Emílio Santiago fez poesia disso alertando para o cuidado de não ficarmos dependentes da cartilha dos outros, pois isso seria como buscar um mestre para guiar nossos atos.
O 'reconhecimento do desejo', é o que mais serve para a evolução das pessoas como entes libertos e mais felizes, pois reconhecer-se detentor de vontades e ir em busca de sua satisfação tira do cômodo lugar de não agir, não experimentar e ainda promove o upgrade de saber que não se responsabilizar pelas próprias escolhas traz um duvidoso conforto.
Desejar é bom. Correr atrás da satisfação dos desejos é gostoso, tira-nos da zona de conforto, faz a gente agir, experimentar e, claro, assumir as rédeas da própria vida. Daí virá a deliciosa sensação de autonomia, não que isso seja fácil ou dispense algumas pelejas internas para se chegar até este ponto.
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