segunda-feira, 1 de julho de 2024

 ESQUECENDO A MÃE

            Há muitos anos, minha família era proprietária de um apartamento na praia no qual costumávamos passar as férias escolares. Nas janelas dos cômodos havia um espaço destinado à colocação de floreiras, que era usado por minha mãe para as suas margaridas e azaleias e cuja jardinagem era afetiva, pois envolvia conversar com elas, além de regá-las e limpá-las. Mas numa das ocasiões em que lá chegamos para passar dois meses inteiros, deparamo-nos com um cenário diferente, sem flores, porém, não vazio. O zelador havia tirado o que acabou ficando murcho e seco. No lugar, um ninho e uma pomba chocando dois ovos.

           Naquele período do nosso descanso anual, tivemos o prazer e o privilégio de ver o nascimento de duas pombinhas, assim como de ir acompanhando o envolvimento daquela ave mãe com sua prole, o aparecimento das primeiras penugens, o desenvolvimento de seus corpinhos. Pudemos testemunhar todos os dias a mãe pomba trazendo minhoquinhas em seu bico para alimentar seus bebês. Foi comovente ver este espetáculo ali tão perto de nós!

            Deu tempo ainda de presenciarmos as duas pombinhas, já mais crescidinhas como adolescentes desengonçadas, desfilarem dentro da floreira enquanto não se sentiam seguras para arriscarem seu primeiro voo. Batiam suas asinhas e davam pulinhos sem sair de perto do ninho, e daqueles pulinhos dentro da floreira onde tinham nascido, as pombinhas passaram a dar saltos em direção à floreira ao lado, já mais exibidas e confiantes. Foi a partir deste estágio do crescimento daquelas criaturinhas que não vimos mais a mãe pomba. Ela havia ido embora, esgotado o seu papel. A natureza lhe havia dado o conhecimento de que a hora de seus rebentos ganharem os céus estava próxima.

            Logo logo mesmo pudemos confirmar que os dois filhotes já podiam por em prática a sua independência e se lançar para o infinito com a suas próprias asas. Foi lindo, mas só mais tarde construí em minha cabeça um entendimento com camadas de poesia e filosofia a respeito da função materna.

            Pude ver na prática que é apenas até certo ponto que as mães darão de si em prol da sobrevivência dos seus filhotes, a quem caberá mais tarde correrem pelo mundo que os convida ao desafio de viver. Pelo seu próprio lado, as mães até que aguardam a despedida dos seus filhos desejando que a certa altura sejam esquecidas por eles, coisa que se vê como absolutamente necessária para o voo solo, num sentido simbólico, é claro...ou nem tanto.

            O episódio das pombas no apartamento da praia deu-me a dimensão de que isto  é, justamente, o significado de honrar a mãe, receber o seu legado, incorporar a sua herança que é composta por um saber especial para a continuidade da vida e que somente se completa a partir de um processo de separação imprescindível para o crescimento emocional, ainda que doloroso.

             Esquecer a mãe, no sentido de não depender mais dela, é o caminho para o crescimento psíquico, o amadurecimento, é o que permitirá aos filhos lançarem-se para a vida e para o desconhecido. É abraçar as incertezas e retirar-se de uma posição de conforto que não contribui para o encontro com o novo, para o aprendizado diverso e para outras formas de felicidade. 

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