MENOS PESO
Ficou registrado como memória da minha infância aqueles filmes de comédia que em certo momento a única alternativa de fuga para um bando fora da lei era um enorme balão de ar quente muito colorido. Pulava para dentro do cesto uma turminha engraçada que ia se sentindo absolutamente salva à medida que o meio de transporte se distanciava do chão. Seus perseguidores nada mais podiam fazer senão ficar olhando para cima com as mãos na cintura e olhar de derrota. E então vinha aquela sensação de alívio, de liberdade e de que tudo ficou bem, até porque éramos induzidos o tempo inteiro a torcer pelo sucesso dos malvados.
Só que, obviamente, não era tudo tão fácil como parecia, pois à certa altura da viagem o balão começava a sacudir e fazer barulho indicando que havia muito peso e o perigo de cair era evidente. Começavam todos então a jogar pelos ares tudo o que naquele instante era julgado inútil e poderia comprometer a sobrevivência. A graça da coisa vinha, justamente, daquele monte de bagagens que eram arremessadas para fora sem que tivesse sido mostrado como haviam entrado ali junto com aquelas pessoas desesperadas pra fugir. Então começavam a voar uma maleta, uma lanterna, um maçarico, uma trouxa de roupa, um cachorro pulguento, até um anãozinho mau humorado para dar maior leveza ao balão. E tudo acabava bem, todos felizes, sãos e salvos, protegidos pela estratégia que poupou suas peles.
Em alguns momentos essa palhaçada toda me surge como inspiração para exercitar o desapego dos pesos inúteis que ameaçam minha saúde mental. Se pensar bem, são muitas as inutilidades das quais podemos prescindir e lançar para fora para ficarmos mais leves, uma espécie de limpeza para maior tranquilidade e vida sadia. Só que ao invés de bugigangas, ocorre-me de me desfazer de hábitos cansativos, medos inúteis, vontades duvidosas, planos mal formatados, fantasias irreais, sonhos que não fazem mais sentido, culpas e até pessoas.
Tem muita coisa nesse meu balão que já vem sendo arremessada pra fora sem o menor ressentimento, mas não como fuga daquilo que preciso enfrentar, e sim como uma boa faxina que me permitirá cada vez mais apreciar melhor a paisagem do percurso.
Pra que ficar conservando o medo de se arriscar ao novo e fincar o pé no eterno e seguro terreno já conhecido, por exemplo? Pra que fazer de tudo pra cumprir uma meta antiga que já não guarda coerência como os novos tempos? Pra que punir-se por culpas alheias? Pra que continuar convivendo com vampiros do nosso bem estar? Por que acreditar que não posso, que não devo, que isso não é pra mim? Por que não pegar na mão de quem a gente ama e fazer uma loucura inesquecível de vez em quando? Por que não jogar fora o que não já não vem servindo? Mais adiante, livrar-se desse peso todo talvez faça uma boa diferença para que se possa desfrutar de maiores alturas...
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