ÚTIL ...ÀS VEZES FÚTIL
Ninguém vive só de pensar no sexo dos anjos, de desvendar onde se esconde a profundidade do cotidiano, o sentido da vida, o rumo dos acontecimentos, os valores do mundo, quem sou eu, para onde vou...ah, que cansaço! Não pode funcionar assim. Tem horas que a frivolidade lateja e força para sair correndo. No meu caso, até que adoro um bate papo sério com meus botões, mas tudo tem limite. Ficar quieta num canto tomando chá e só meditando, por mais saudável que seja, chega num ponto que exaure. Acho necessário interromper o cronômetro das virtudes às vezes e deixar o tempo transcorrer sem resistência, fazendo qualquer coisa que dê vontade.
Mas parece que ninguém se sente autorizado a, simplesmente, ficar parado, não fazer nada, ainda que só de vez em quando. Há sempre alguém que nos obriga a sermos cada vez melhores, a produzir algo, apresentar resultados, ser útil. Somos forçados pelo trabalho, pelo capitalismo, pela família, pelo governo...esses malditos tiranos que nos dizem para enriquecer, construir, ter insights, acumular tarefas. A culpa é deles, claro. Venho refletindo há tempos sobre uma forma de sair do estigma do politicamente correto, do perfeito, seja em atos, palavras e pensamentos, pois tudo isso é muito pesado e doloroso.
Até que vai bem um dia da semana sem trabalhar tanto, para ir ao shopping. E vai bem entrar nesse mesmo shopping sem ir correndo a uma livraria à cata de coisas interessantes, cultura, novos conhecimentos, porque, Santa Afrodite, deusa das futilidades, tem momentos em que só dá vontade mesmo é de ver vitrines. Provar bugigangas nas orelhas e no pescoço, experimentar sapatos, imaginar-se na blusinha de frufru que se oferece atrás do vidro.
Não é pecado permitir-se uma futilidadezinha qualquer, uma temporária vadiagem sem propósito, um olé nos deveres para se refestelar no sofá da sala com as pernas para cima e ver sessão da tarde, com pipoca de caramelo, sem pensar em dieta lowcarb ou fibras. Será que não dá para, de vez em quando, fingir que tudo vai continuar funcionando igual se eu aceitar o que já tenho, especialmente, os dons e qualidades que já possuo? Opa! Até me deu um estalo agora ....dá sim, tudo, simplesmente, continuará funcionando - e muito bem - sem que eu precise correr atrás a todo instante de maiores atributos pessoais. Então que história é essa de sempre querer melhorar, crescer, evoluir? Decidi que minha caixinha de qualidades já está bem cheia e que posso me dar ao luxo de apreciar quem me tornei sem a obrigação de me impor lapidações frequentes.
Relaxa, criatura, digo eu para mim mesma! Viva os pensamentos (e ações) amenas, pelo menos homeopaticamente. Esse maldito hábito de querer sempre ser bom e cada vez melhor em todos os sentidos não pode sobrepor-se à simples vontade de existir, de não fazer nada por um breve tempo. Assim sendo, abaixo a pressão sobre nossas cabeças e um sonoro sim ao dolce far niente temporário, não vai matar.
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