quinta-feira, 24 de novembro de 2016

PURA SEDUÇÃO

      Consta no dicionário que a palavra sedução, entre outros significados, exprime a ideia de feitiço, fascínio, atração. Quem seduz contém um conjunto de qualidades que faz gerar no outro certo magnetismo, persuasão, capacidade de atrair o ser que lhe desperta algum tipo de interesse. E há diversas ferramentas para ter sucesso nesse intento, sejam rendas vermelhas, sabores, aromas ou sons, como flechas dirigidas ao objetivo maior. 
      Mas não há maior instrumento de sedução e encanto do que a palavra, falada ou escrita. A bem falada e a bem escrita. Não se consegue arrebatar corações por meio de quaisquer amontoados de frases, nem se conquista simpatias proferindo discursos ao vento. O verbo há de ser responsável, inteligente, sutil. Deve cumprir a função da conquista sincera, semente do bem, para só assim gerar frutos saudáveis. Do mesmo modo, tem que respeitar as regras de ortografia, gramática, acentuação e pontuação para garantir a elegância na comunicação. A palavra é a mais eficaz poção mágica. Não importa o seu estilo, bastando que seja delicada, ainda que direta e firme. É poderosa, porque constrói e destrói. Não pode ser inconsequente. Impérios já foram erguidos ou derrubados e religiões nasceram com a palavra. É com ela que o sábio espalha a verdade. A Índia se tornou independente mediante a palavra. A história é registrada por meio da palavra. Ama-se ou se odeia por causa da palavra.
      Como energia viva, a palavra se revela como o maior poder de todos e há de ser usada com cuidado, beleza e boa intenção, do contrário, perde-se em sua maior finalidade.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

O CORAÇÃO E OS CACHORROS


     Por ocasião de uma cirurgia cardíaca na minha família (bem sucedida, viva!), em meio àquela atmosfera de tanta preocupação e burocracias hospitalares, aproveitei um momento na conversa com o médico para indagar-lhe, afinal, qual vinha a ser o maior segredo para manter o coração sempre em bom funcionamento e evitar transtornos nessa área. O doutor, que já devia ter ouvido a tal pergunta mais de um milhão de vezes, deu-me imediata resposta, mais graciosa do que técnica: "Evitar doce e não sentir raiva". Xiii, e agora? Não há quem nunca tenha sucumbido a delícias açucaradas ou se corroído vez ou outra com o dito sentimento maléfico. Que recomendação difícil de cumprir...
      Fiquei pensando que em muitos momentos só um brigadeiro cumpre a função de neutralizar a ira, que chega com força nas ocasiões em que o controle interno falha. Arrisco dizer que doce e raiva vivem juntos, são complementares, como os lados da mesma moeda, inseparáveis. Jamais vi alguém que só consiga se acalmar com um empadão de ricota. Mas se assim for, então paciência! O negócio é reforçar a reza pra que nada aconteça. Ficar sem doce ou se contentar com tudo à sua volta, no fundo, parece coisa pra cachorro. Só eles comem a mesma ração todos os dias e se sacodem de alegria o tempo todo. Podem viver bastante, quando bem cuidados, mas jamais saberão que gosto tem um bombom, nem mudarão o rumo de suas vidas após situações adversas ou acusações injustas.
      De todo modo, meu nobre e querido músculo que me desculpe pelos deslizes que até hoje cometi. Prometo daqui pra frente não lhe obrigar a novos apuros. Vou sim me comportar à mesa e sentir a vida com mais amor.
O CORAÇÃO E OS CACHORROS


     Por ocasião de uma cirurgia cardíaca na minha família (bem sucedida, viva!), em meio àquela atmosfera de tanta preocupação e burocracias hospitalares, aproveitei um momento na conversa com o médico para indagar-lhe, afinal, qual vinha a ser o maior segredo para manter o coração sempre em bom funcionamento e evitar transtornos nessa área. O doutor, que já devia ter ouvido a tal pergunta mais de um milhão de vezes, deu-me imediata resposta, mais graciosa do que técnica: "Evitar doce e não sentir raiva". Xiii, e agora? Não há quem nunca tenha sucumbido a delícias açucaradas ou se corroído vez ou outra com o dito sentimento maléfico. Que recomendação difícil de cumprir...
      Fiquei pensando que em muitos momentos só um brigadeiro cumpre a função de neutralizar a ira, que chega com força nas ocasiões em que o controle interno falha. Arrisco dizer que doce e raiva vivem juntos, são complementares, como os lados da mesma moeda, inseparáveis. Jamais vi alguém que só consiga se acalmar com um empadão de ricota. Se assim for, então paciência! O negócio é reforçar a reza pra que nada aconteça. Ficar sem doce ou se contentar com tudo à sua volta, no fundo, parece coisa pra cachorro. Só eles comem a mesma ração todos os dias e se sacodem de alegria o tempo todo. Podem viver bastante, quando bem cuidados, mas jamais saberão que gosto tem um bombom, nem mudarão o rumo de suas vidas após situações adversas ou acusações injustas.
      De todo modo, meu nobre e querido músculo que me desculpe pelos deslizes que até hoje cometi. Prometo daqui pra frente não lhe obrigar a novos apuros. Vou sim me comportar à mesa e sentir a vida com mais amor.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

SÁBIAS PALAVRAS

     Meu avô paterno era um cara muito bem humorado que conseguia fazer piadas escancaradas com ar de filósofo sério. Falava coisas do tipo "relógio que atrasa não adianta", ou então "não bebo mais... e nem menos", agarrando-se logo a um trago que lhe oferecessem. Na sua lápide - dissera - haveria de constar a frase "aqui jazem meus ossos, queria que fossem vossos". Mas a melhor mesmo era dita em tom de verdade jamais percebida: "é bem melhor ser rico e com saúde do que pobre e doente". Sabia deixar o interlocutor em dúvida quanto à seriedade do diálogo. Era um sábio palhaço, ou ao contrário. Morreu moço, cinquenta e poucos anos, de modo que não cheguei a conhecê-lo, mesmo assim me divirto com suas histórias, todas contadas pelo meu pai, aliás, um senhor herdeiro dessa veia cômica. Pela leveza diante da vida, consigo admirá-lo, lamentando não ter um único dia sentado em seu colo. Queira Deus eu possa também ser capaz de, ao menos, extrair sorrisos de descendentes contadores de minhas vivências, numa dessas fazendo-os gargalhar por algum deslize engraçado.
    Mas ser lembrado por uma qualidade é só o reflexo de possuí-la, pois quem de fato leva a melhor é a própria pessoa que a tem dentro de si. Vale o oposto também. Desse modo, quem é bondoso e pacífico traz a bondade e a paz no coração, assim como o raivoso e o cruel são os que primeiro experimentam raiva e crueldade, e assim por diante.  Divagações à parte, essas aí estão mais pra galhofa, tamanha obviedade em dizê-las.
   Pois é possível que a graça oculta nas falas soberbas sirvam justamente pra mostrar o óbvio que não se costuma enxergar, de vez que a gargalhada deva ter, junto com a infelicidade, o seu efeito pedagógico.  Então, se dá pra aprender com o riso, aqui vai um conselho poderoso ao estilo do velho Alfredo: é melhor rir do que chorar.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

AS TRILHAS SONORAS DA VIDA

  Tenho por costume - involuntário - associar músicas a acontecimentos da minha vida, assim como a pessoas, lugares e até a estações do ano. Desde pequena é assim, de modo que muitas canções, de todas as épocas e com quaisquer ritmos, são capazes de me remeter a todo tipo de recordação: tem melodia que leva direto às tardes da minha tenra infância e aquela que faz aparecer na cabeça toda a família reunida e em férias. Tem a que faz o morro lá da praia ficar mais próximo, e a que traz de volta pessoas que, de um jeito ou de outro, já se foram. Há também as melodias que são um pouco doídas de ouvir, e nessas horas, só mesmo o botão off para a mente - ou o coração - descansar. Boas mesmo são as que trazem alegria, seja por nos conduzirem novamente aos quinze, vinte anos de idade, seja porque dão vontade de sacudir.
      Dias atrás, no carro, liguei o rádio e praticamente deu pra fazer um bom revival. Impressionante como tantos hits naquela tarde puderam mexer comigo. Foi inevitável a viagem no tempo. Pessoas e situações variadas vieram com força e nitidez em meu pensamento, junto com uma enorme saudade. Parecia que eu folheava um álbum de fotos bem coloridas. Na verdade, trilhas sonoras têm mais poder de me levar ao passado, possivelmente pela predominância da memória auditiva.
    Então, pra garantir um futuro recheado de lembranças agradáveis, quem sabe o segredo não é conectar os sucessos atuais a boas energias? Tipo uma reserva de mercado, uma playlist que só traga lá na frente sorrisos por momentos vividos e pessoas importantes, e nos faça sair por aí dançando ...

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

A MALDITA ESPERANÇA

    Segundo a mitologia grega, Zeus ordenou a Hefesto que moldasse com argila uma mulher de grande graça e beleza para lhe destinar a guarda de um presente a ser dado ao homem: um jarro lacrado. Apesar da proibição divina em abri-lo, a guardã, vencida pela curiosidade, destampou o objeto, deixando escapar as pragas da humanidade: doenças, dores, tristezas, loucura, inveja e morte. Ao recolocar a tampa com pressa, só conseguiu impedir a saída da esperança. É o mito da Caixa de Pandora.
   Na verdade, desde a primeira vez que li a respeito, não entendi porque a esperança estava entre os males do mundo, haja vista ser um tanto estimulada no coração humano e até reverenciada como um nobre sentimento. Quem nunca a encorajou em si mesmo ou no próximo? Mas lendo sobre filosofia aplicada à vida, me veio a explicação dias atrás, dada por um certo André Comte-Sponville, pensador francês moderno, adepto do estoicismo, para quem a esperança é a pior das adversidades porque nos faz viver em estado de expectativa por um futuro que não existe, e que só serve a nos desviar da principal e única realidade possível de ser vivenciada, que é o agora. Aliás, antes dele - fui pesquisar - Nietzsche já a identificava como uma desgraça que obscurece o essencial da vida. E ambos apontam que a esperança é produto da cultura, não sendo vista na natureza. É mesmo... nunca tomei conhecimento de que o sapo anseia um porvir melhor.
     É fato que defender uma causa é diferente de viver focado numa projeção pura e simples, de sorte que o idealista não se confunde com o esperançoso. De todo modo, se a esperança promove o sacrifício do presente real fazendo-nos escravos de planos futuros, que não seja a última a morrer. Já chega a nostalgia, representante das sombras do passado.

sábado, 20 de agosto de 2016

SILÊNCIO É OURO

      As Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro me deixaram bastante empolgada com a possibilidade de sinalizarmos para o mundo que damos conta de organizar um evento grandioso, que somos uma nação solidária, capacitada e que tem orgulho de ser brasileira. Enfim, que podemos impressionar os visitantes com as nossas potencialidades. No entanto, algumas sutilezas podem revelar que não estamos com essa bola toda, como o caso do mau uso da palavra para infelizes comparações.
      Olha só: uma de nossas atletas, já tendo sofrido preconceito racial nos jogos olímpicos anteriores, conquistou medalha de ouro em sua modalidade esportiva. Sem dúvida, uma vitória com sabor todo especial, espécie de revanche frente à pesada equiparação que então sofrera quatro anos antes. Mostrou superação, dando o recado que é digna de orgulho do seu país. Triste foi que a menina, diante do seu feito, se viu forçada a responder à seguinte pergunta na TV: - O que você sentiu naquela hora em que olhava para a adversária com cara de... tigre? Ora, se era para compará-la a alguma coisa, que tivessem usado termos como gladiadora, guerreira ou qualquer outro que não lembrasse um animal selvagem, quadrúpede e indomável, que usa o instinto ao invés da razão, que não emprega senão as forças físicas e sucumbe frente à inteligência, ou seja, sem nenhuma semelhança conosco. Será que não foi arriscado o parâmetro usado na entrevista?  Ah, nada a ver, não foi preconceito, diriam uns! Pois é lógico que não houve má intenção, foi só um descuido com a linguagem, um improviso desajeitado.
   No entanto, uma vez que o vocabulário tem o poder de expressar pensamento, sentimento, cultura, quando mal empregado pode ferir, de modo que em terrenos delicados, melhor premiar o silêncio com a medalha de ouro.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

FUNCIONÁRIO DO ANO


    Próximo da minha casa, um cruzamento de intenso tráfego foi escolhido por um senhor como ponto para o comércio de pipocas de pacote. A alternância do semáforo o faz correr de uma esquina à outra oferecendo seu produto, todos os dias, por horas. É incansável, não falha nunca, seja em dia de forte calor, frio ou chuva. Fica atento a qualquer chamado e vai de um lado a outro querendo atender o maior número possível de veículos, sempre com a sacolinha no braço para cuidar do seu estoque. Eu mesma já comprei, a título de aplauso silencioso pelo esforço. Tem o perfil de um funcionário que eu gostaria de empregar caso meu ramo de negócio fosse uma empresa.
  Imagine essa persistência e empenho com mais algumas técnicas de venda! E o referido sujeito, ainda por cima, é simpático. Mudaria de vida ou, quem sabe, enriqueceria num empreendimento com remuneração proporcional às vendas. Não há inúmeros exemplos de fortunas com começos modestos? Se todo mundo trabalhasse desse jeito pensando num país melhor, como seria? Tipo mutirão pra dar um arranque nas coisas, vestir a camisa verde e amarela. Cada um fazendo a sua quota da melhor maneira pra formar o todo transformador. 
   Esse vendedor me inspira, de certa forma, a pensar que a dificuldade tem o seu antídoto e está nas próprias mãos de quem a sente. Então, juntando a necessidade com a vontade de crescer, mais uma pitada de amor à pátria teríamos mais ordem e progresso.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

HORÓSCOPO

     Dias atrás chamou-me a atenção o horóscopo do mês para os nascidos sob o signo de touro. A recomendação dos astros era para que tomassem cuidado com as relações interpessoais que poderiam ser influenciadas pela divergência de opiniões. Achei divertido o conselho e me coloquei a pensar.
    Pois pra mim, parece ser justamente a divergência de ideias que promove a evolução da humanidade. Desde que o mundo é mundo, o desacordo funcionou como elemento propulsor da ciência, da moral ou de qualquer outra seara humana, de tal modo que a diferença de concepções me parece benéfica. Já pensou se Charles Darwin não tivesse lançado sua teoria sobre a origem das espécies por receio de agitar o pensamento dominante? Ou se Einstein não tivesse afrontado as leis mecânicas de Isaac Newton com a inovadora teoria da relatividade? Do mesmo modo não seríamos os mesmos se Jesus não tivesse sido o revolucionário de dois milênios passados. São as novas poposições que nos fazem sair da monotonia e rotina. Sendo assim, a recomendação astral não me pareceu merecedora de algum crédito.
      Em A Utopia, escrita por Thomas More no século XVI, a personagem Raphael Hitlodeu explica que, de acordo com os reis, o lugar comum das ideias deve prevalecer para que a sociedade não pereça caso surja um homem mais sábio que os seus antepassados e, principalmente, porque não querem ganhar a reputação de imbecis, pelo que diriam: "nossos pais assim pensaram e assim fizeram; ah, queira Deus que igualemos a sabedoria de nossos pais!" Continua, dizendo que diante de um melhoramento novo, a tendência é agarrar-se à antiguidade para não acompanhar o progresso. Evidente é a crítica embutida pelo escritor. Acredito que podemos ir em frente com nossos pontos de vista, não os evitando como forma de preservar as relações humanas, pois essas devem estar fundamentadas em outras bases, outros valores. A diversidade deve servir ao enriquecimento, basta termos consciência disso.
   Terminadas minhas ligeiras divagações sobre a advertância celestial aos taurinos, por curiosidade, fui ver o que o Sol em Áries me sugeria: "Ariano, o seu esforço atrairá bons frutos!" Muito favorável, pensei. Essa orientação, sim, seguirei à risca sempre.
AMIGA DOR

   Nos últimos vinte e tantos anos da minha vida, tive por companheira fiel uma dor de cabeça persistente e de difícil diagnóstico. Semanalmente, chegava ela a qualquer hora, às vezes no primeiro minuto do dia e com duração sempre variada. Passei incontáveis fins de semana amargando com analgésicos e caras forçadas de normalidade pra que ninguém sofresse junto comigo. Era coisa só minha mesmo. Fui a todos os "istas" e "ólogos" imagináveis e fiz diversos exames para desvendar a misteriosa causa. Até que de uns tempos pra cá o destino tem me permitido uma trégua entre mim e esse flagelo, por meio de uns cuidados simples e mudanças no estilo de vida, de forma que vem ficando cada vez mais fraca. Aleluia!
   A bem da verdade, estou aqui para prestar uma homenagem à moléstia que me fez companhia por incalculáveis ocasiões. Devo reconhecer que com ela adquiri uma capacidade de introspecção que me permitiu muitas vezes vir ao encontro de mim mesma. Foi ela também quem me ensinou a importância de lutar sempre e não sucumbir às derrotas, me indicando o caminho para nunca fraquejar. Nos momentos de maior crise, aprendi a ter criatividade como alternativa para combatê-la. No fundo, virou minha amiga, e até trouxe certa utilidade para quando eu pretendia recusar um convite qualquer ou me furtar de tarefas cansativas. Posso dizer que foi insistente e perseverante no seu propósito de me derrubar, mas eu fui mais. Tentou me aniquilar, mas não conseguiu. Instalou-se num esconderijo difícil, só que eu a contrei. Eu é que a venci, e dela já não preciso mais, de modo que podemos, cada qual, seguir o próprio rumo. Quero ainda dizer que não a odeio, apesar de tudo.
   Despeço-me aqui de você, dor! Agradeço-lhe pelos frutos de nossa convivência e que fique bem claro entre nós que não foi bom enquanto durou. Peço-lhe que devolva a chave e não me procure nunca mais.

terça-feira, 2 de agosto de 2016


MELHOR DE DOIS MUNDOS

          Ninguém quer abrir mão de uma coisa boa em troca de outra coisa que também é boa, certo? O ideal é incorporar à vida novas experiências ou bens sem sacrificar nada, e desfazer-se somente do que já não interessa mais. Mas é difícil escapar. O dilema da escolha é permanente na vida de todos, até mesmo das crianças, solicitadas a decidir sobre questões do seu universo.
   Lembro que próximo ao aniversário de onze anos da minha menininha perguntei o que ela queria de presente. A resposta foi certeira: - Brinquedo e maquiagem. Mundos opostos e igualmente tentadores. Lógico, não quis renunciar aos recursos da infância, tampouco as vantagens do crescimento. Foi bem coerente, na minha opinião, já que deu a melhor solução para as duas realidades da sua ainda curta existência: para as horas lúdicas teria com o que brincar, ao mesmo tempo em que usaria batons para as caras e bocas de moça quando não lhe conviesse ser infantil. Pra que escolher, não é? É tão mais prático ter tudo o que se quer, simultaneamente...
        Imagine se os adultos também pudessem sempre viver unindo as vantagens e os prazeres, sem perdas? Algo como trabalhar com paixão e ainda enriquecer, ou tirar férias num paraíso com a família inteirinha reunida, tomar todas e não trançar as pernas. E que tal ganhar liberdade sem perder a segurança? Também amadurecer sem envelhecer. Ô, que sonho! Talvez até nem seja impossível, mas é complicado, penoso, coisa rara de se ver. No mínimo, alguma disciplina é necessária ou, quem sabe, é tudo uma questão de sorte.
      De qualquer maneira, prefiro enfrentar a necessidade de uma escolha do que ter o nada como oferta, porque o melhor de dois mundos, quem sabe, seja mera ilusão.

terça-feira, 28 de junho de 2016

SÁBIA CIGANA

     
Penso que não há búzios, bola de cristal, tarô, quiromancia ou baralho que possam antecipar a sorte. Já diz o dito popular que o futuro a Deus pertence. Mas pra mim, é claro como a água que algumas atitudes e pensamentos do nosso hoje constroem o amanhã, de modo que nem são necessários grandes truques pra indicar o quanto nos daremos bem com as pessoas, se seremos felizes no trabalho, ou cercados de amigos ou se a fortuna nos aguarda. A economia de energia, tempo, dinheiro ou até lágrimas talvez explique o desejo humano de antecipar o horizonte do tempo. Contudo, arrisco dizer que o autoconhecimento é a melhor ferramenta para predizer como será nosso porvir.
    Quando eu tinha quinze anos, numa manhã de mormaço à beira mar e quietinha com os dilemas daquela idade, me aparece uma cigana cheia das saias coloridas que se arrastavam pela areia, oferecendo a revelação do meu destino. Chegou de repente como uma bruxa da sorte, rosto enrugado de sol, unhas compridas e pulseiras barulhentas, uma aparição que se tornou inesquecível. Então julguei magnífico naquele momento saber sobre o meu destino. Me casaria? Teria filhos? Qual seria meu ramo de trabalho? Esperei também ouvir que eu teria vida longa, saúde perfeita e outras tantas surpresas que ela visse nas minhas mãos grudentas de bronzeador. Coisas da adolescência. Daí aquela figura errante, olhando séria bem dentro dos meus olhos, simplesmente, disse: - Haverá momentos felizes ou momentos tristes em sua vida! Pegou o dinheiro e foi embora, de forma que entendi o lance apenas pela ótica do embuste me sentindo por demais lograda. Tanta expectativa pra ouvir uma coisa dessas, pensei!
     Mulher sábia, acertou em cheio! Só fui entender a profecia muitos anos depois. Evidente, lógico .... eu mesma, por toda a minha vida, decidiria se a felicidade ou a tristeza permaneceriam em minha vida, afinal, tudo é questão de escolha e o resto, apenas consequência.

sábado, 25 de junho de 2016

DESCULPA TE FALAR ...

      O aspecto democrático da convivência induz a pensar que cada qual pode opinar à vontade sobre qualquer assunto, já que todo mundo cresce com o debate e é assim que a evolução vai acontecendo. Mas não é pra sair por aí dizendo o que as pessoas devem fazer ou não fazer. Um pouco de feeling nunca é demais. Já reparou que algumas pessoas, do alto da sua audácia, ou burrice, falam coisas na tua cara com autoridade de sabichão? São pretensiosas, donas da verdade e disparam pérolas memoráveis. Você, sem querer gastar sua preciosa energia, prefere não fazer uso do direito de resposta.
      Certa vez, levando minhas meninas ainda pequenas pra brincar na pracinha próxima de casa, lá encontrei uma mãe com sua pequena, desfrutando o mesmo espaço. Como resultado da aproximação entre nossas crianças, de imediato, estabelecemos eu e ela um diálogo superficial. Conversa vai, conversa vem, a temática baixou na mendicância que se via frequente pelo bairro e na pobreza que assola alguns de nossos semelhantes.
      Vi a oportunidade para contar-lhe que semanas antes, logo cedo em frente à padaria, uns mendigos me fizeram comprar o seu primeiro sustento do dia. Diante desses coitados, ponderei a ela, o Cristo toca no íntimo pra dizer que você está prestes a se deliciar com um pãozinho recém assado, um cafezinho fresco na sua casa quentinha e tudo o mais. Finalizei minha fala afirmando que não consigo dar um chega pra lá na compaixão.
     Lá veio a pancada daquela desconhecida: - Desculpa te falar, mas a tua atitude tá errada, decretando a mim essa máxima com firmeza de educadora. Segundo sua lógica, quanto mais dermos de graça aos desafortunados, mais ficarão mal acostumados e abusarão da nossa fraqueza. Tive vontade de rir, confesso. Não dos argumentos apresentados contra à prática da caridade, pois como eu disse, cada um tem sua opinião, mas da insolência da mulher que só me conhecia há quinze minutos, achando que já podia me dar lição de vida. 
   O que ela nunca ficou sabendo é que sua frase virou bordão familiar, pois frente às discordâncias lá em casa dizemos uns aos outros ironicamente: - Desculpa te falar, mas a tua atitude tá errada! Ah se ela imaginasse como se tornou inesquecível ...  

segunda-feira, 20 de junho de 2016

QUERIDA
      
Sinceramente, não dá pra imaginar que alguém possa agradecer por uma batidinha na traseira do carro. O episódio, na verdade, só serve pra chatear. No mínimo, leva-se um susto com o tranco nas costas. Também te obriga a descer do veículo para conferir o estrago e olhar feio pro distraído, chamando-o à responsabilidade. Ora bolas, como não perceber que o carro está deslizando e vai bater no da frente? Presta atenção, não é?
      Mas mesmo não sendo o caso dos romances que, por ironia do destino, começam entre os envolvidos, afirmo que é possível sim acontecimento como esse fazer nascer um bom sentimento. Pois numa ocasião, um certo senhor descuidado me causou um bem enorme ao esquecer de pisar no freio do seu automóvel. Devia estar envolto em seus pensamentos, tranquilão de tudo aguardando o sinal ficar verde. E aí, trunc!! Pois desci do meu carro no meio da rua, toda cheia de razão para proferir um Se esperta, cara! Qual é? Vai ter que pagar... Mas não deu nada, só encostou mesmo. Mais sorte pra mim, porque  o sujeito, imediatamente, reparou sua distração na medida do que eu precisava:
      - Desculpe, querida
     Pronto, meu espírito se desarmou no mesmo instante e minha cara feia virou sorriso. Não resisti ao vocativo. Ah, se ele soubesse como adoro ser chamada de querida... Tocou no ponto certo. Eu, que estava precisando mesmo de um afago, peguei a palavrinha, entrei de volta no carro e fui embora me sentindo indenizada pelo contratempo.



       

    

domingo, 5 de junho de 2016

ZEN AOS TREZE ANOS


      Parece inapropriado atribuir a alguém com apenas treze anos de idade uma característica própria das pessoas que já deram muitos passos na caminhada da vida: a tranquilidade. 
     Em certa ocasião, final de ano, minha família e eu nos encontrávamos na praia, sentados num banco do calçadão em frente ao mar. Eu, com minha eletricidade habitual, não absorvia as nuances daquele momento, pois estava envolta nos planos para o futuro próximo. Parece que os dezembros nos obrigam sempre a listar resoluções de ano novo. 
    Pensava nos pratos para a ceia de Natal, nos presentes para comprar, nos detalhes necessários para que tudo ficasse como planejado, também nos cinco quilos que eu queria perder depois das festas e nos propósitos que eu estabelecia para economizar mais no ano seguinte. Meu marido, por sua vez, também não assimilava a magia do instante, importando-se mais em garantir nossa segurança e bem-estar, ficando atento para evitar qualquer incidente que pudesse nos atingir. A caçula, com sua inquietação típica dos dez anos de idade, perguntava de tudo: – Como é que entra água dentro do coco? Como se formam as ondas do mar? Por que o céu é azul? E assim por diante, com outras curiosidades do gênero. A primogênita de treze anos, entrando na adolescência... bem, é sobre ela que vou divagar a partir de agora.
      Mantinha-se com as pernas e braços cruzados e olhar firme para o oceano. Nenhuma palavra ou movimento do seu corpo, a não ser o piscar dos seus olhos verdes. Acho que nem Buda conseguiria a proeza de manter-se como estátua por tanto tempo. Minha menina parecia ter sofrido o efeito da tecla pause do controle remoto. Sua quietude chamou-me tanta atenção que passei a observá-la, chegando até a me preocupar se estava triste com algum acontecimento. Mas não, estava apenas quieta, desfrutando de sua calmaria interior. 
      Fiquei pensando como é que uma adolescente, tão previsivelmente inquieta por causa das transformações da idade, era capaz de entregar-se à paz e ao silêncio?  Nada lhe desviava o olhar, mantendo o foco de sua atenção no horizonte azul do mar. Fiquei tentando entender aquele estranho sossego, afinal, a menina nem havia experimentado os inevitáveis reveses da vida! Quanta calma naquele coração pueril! Não consegui decifrar o motivo de tamanha placidez. 
      Há tempos eu vinha tentando dedicar-me a cinco minutos diários de meditação, músicas new age, controle da respiração, mas foi naquele momento que me convenci de que minha filha poderia me ensinar sobre como exercitar a serenidade. 
       Saindo dali, fui acrescentar mais um item em minha lista de intenções para o ano vindouro: ficar alerta para perceber que não é, necessariamente, a idade que conta para obter lições importantes na vida. Mais tarde agradeci minha filha pelo que aprendi com ela sem ter ouvido uma única palavra.
DESCOBRIMENTO, INDEPENDÊNCIA, REPÚBLICA ... E NÓS


      Lá pelos idos anos de 1500 o Brasil foi descoberto. Apareceu para o mundo como um bebê pelos braços dos portugueses. Cresceu, aprendeu a língua materna, foi catequizado, desenvolveu sua cultura, mas sempre obedecendo ordens dos seus governantes portugueses. Mais tarde, protagonizou revoltas até conseguir sua independência em 1822. Esta trajetória poderia ser equiparada à infância e à adolescência da nossa terra.

     Veio depois a fase adulta, querendo o jovem Brasil governar-se. Queria tomar decisões por conta própria. Foi preciso, então, opor-se à monarquia de Portugal, ao mando alheio. Lutou muito e marcou sua história de modo definitivo proclamando a república no ano de 1889, ficando, de certa forma, livre para decidir sobre seu próprio destino. Historicamente, parecem ter sido bem marcados os episódios do descobrimento, da independência e da proclamação da república por estas bandas. 

      Não há algo de similar à trajetória humana? Ou seja, não parece possível estabelecer um paralelo entre tais acontecimentos históricos e o crescimento das pessoas? Afinal, desde que nascemos também vamos aprendendo o idioma de nossos pais, assim como, em geral, somos catequizados para seguir alguma religião. Igualmente, vamos para a escola e aprendemos nossa cultura até que chega um momento em que queremos a nossa própria independência e autogoverno. Pois, quem nunca, em casa mesmo, lutou por liberdade, ou buscou estabelecer sua república individual? Quem nunca se trancou no próprio quarto para se sentir dono do seu espaço? Quem nunca afrontou os pais para que parassem de proteger seus filhos quando se julgava isso desnecessário?

      Quase tudo igual entre nós e o Brasil, a não ser por uma significativa inversão no reino pessoal: é possível que sequer tenhamos vivenciado até o momento o nosso próprio descobrimento, ainda que já dado o grito do Ipiranga e proclamada a república individual. Pois não basta ser independente e governar-se. É preciso descobrir-se primeiro.

      Quiçá o próprio Brasil não tenha se descoberto, ainda, em suas potencialidades e riquezas.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

MIGUEL


       A sala de espera no setor de cardiologia daquele hospital encontrava-se cheia de pais e mães com seus pequenos de todas as idades esperando atendimento médico. Eu, na mesma situação, e felizmente apenas para um exame de rotina em minha filha, aproveitava para observar os comportamentos de todos, algo que normalmente me desafia para, pretensiosamente, entender um pouco do ser humano. 

     Em meio àquele cenário, algo de especial me chama a atenção mais do que qualquer outra coisa: entre os presentes, encontrava-se uma simplória mãe amamentando seu bebê de quatro ou cinco meses recém-operado do coração. Fiquei comovida! Encontrava-se ela com um fino aventalzinho de trabalho e chinelo de dedo, apesar do intenso frio de julho. Por certo, pensei, estava aproveitando o horário de intervalo do seu trabalho para a consulta da criança. A cena, um tanto comum em qualquer estabelecimento de saúde, tinha algo de único e espetacular, pois aquela criatura, transbordante de ternura, no silêncio do recinto, não parava de falar um só segundo e de modo bastante afetuoso com seu pequeno. Seu nome era Miguel, o que perguntei como forma de me aproximar. O garotinho, absorvendo o amor materno, comportava-se como um anjinho, olhando diretamente nos olhos daquela mulher que lhe daria qualquer coisa para vê-lo bem. Bebia mais do que o leite da mãe, é claro! Era nutrido de um amor único, inigualável. 

     Aquela cena me preencheu e afetou-me de tal maneira que, graças a Deus, minha filha foi logo chamada pela secretária do consultório, pois eu já não conseguia mais disfarçar meus olhos encharcados de lágrima, tamanha a emoção em perceber aquela poderosa dinâmica em prol da vida. Concluí que além de sentir, a gente também consegue ver o amor em suas diversas manifestações.

        

BOLA DE CHICLETE
      

       A família resolveu reformar a casa. Pintura, assoalho, tapetes, mobília... quase tudo já vinha precisando ser modificado para que ficasse com cara de mais novo, além de outros consertos que se fizeram oportunos naquela ocasião. Não se havia contado, porém, com o caos, a poeira e o tumulto ocasionado pela recém formada multidão. Além dos usuais moradores, passaram a ocupar o mesmo espaço o pintor, o marceneiro, o encanador, o eletricista, a diarista. Foram algumas semanas de muita correria, sujeira e baderna. Tudo muito dramático para quem curte tudo em ordem, cheirosinho e aconchegante. Por todo lado se via e se sentia movimentação e barulho. De noite todos precisavam dormir empoleirados na sala. Foi preciso o milagre da multiplicação dos itens de limpeza e da resiliência. A situação se assemelhava a um acampamento sem regras, muito cansativo. Mas a perspectiva de um visual renovado era o que impulsionava o andamento da obra!

       Contudo, em meio a esse cenário caótico a vida não podia parar, sendo necessário cumprir os compromissos corriqueiros, como, por exemplo, ir ao supermercado, que nessa hora era visto como oportunidade de fuga.

       Foi numa dessas escapadas, numa fria manhã de inverno com céu azul límpido, acompanhada da saltitante caçula, à época com nove anos de idade, que ouço um grito entusiasmado me acordando para uma outra realidade: - Mãeeeee...consegui fazer uma bola de chiclete! Foi a primeira vez, lógico. Aquele estalido perfeito, após inúmeras tentativas anteriores e frustradas trouxe incomparável felicidade àqueles olhinhos brilhantes e escuros. Uma vitória, sem dúvida, para quem vinha há tempos tentando conseguir essa façanha.

       Que privilégio o meu, pensei, ser testemunha dessa ingênua conquista. Foi mais mágico pra mim do que pra ela. A criança era só alegria naquele momento. Até a costumeira vigilância a que se habitua um morador da cidade grande se enfraqueceu repentinamente.    

      Vamos ao óbvio nem sempre percebido: a beleza da vida se oferece nos efêmeros instantes e nossos filhos são fonte segura de encantamento. Num único segundo do meu dia tudo passou à categoria do secundário. Cheguei até a esquecer do estresse que a baderna da minha casa vinha me causando.

       Concluí que a verdadeira reforma que se há de fazer é no olhar e no coração. E se me perguntarem do que mais eu lembro em meio àquela confusão toda em minha casa, responderei, com toda a certeza, que é muito mais importante fazer bola de chiclete do que escolher a nova cor das paredes.